Título: O mundo e o alto endividamento americano
Autor: Antônio Ermírio de Moraes
Fonte: Jornal do Brasil, 11/12/2005, Outras Opiniões, p. A11

O jornal Valor ,de 4 de novembro de 2005, publicou uma reportagem bastante didática a respeito do alto endividamento dos Estados Unidos. Trata-se do trabalho de Janes Rocha sob o título ''O perigo do estouro da bolha''.

Há muito tempo os economistas, produtores e investidores se preocupam com o festival de consumo dos americanos. No ano passado, eles gastaram US$ 700 bilhões acima do que produziram. Na prática, é o valor de um PIB brasileiro.

Até quando essa festa pode continuar? Ao explorar as respostas, o referido apresenta opiniões que se dividem entre os preocupados e os cautelosos - não há despreocupados.

Do lado preocupado estão muitos economistas do FMI. Eles acham que o déficit público atual (4% do PIB) e o déficit da balança comercial (6% do PIB) são cifras exageradas para serem carregadas por muito tempo. Isso porque os americanos consomem mais do que ganham. E o fazem porque contam com juros baixos, uso das residências como garantias de grandes empréstimos, aplicações estrangeiras em títulos do governo e outros.

Mas é esse excesso de consumo que, segundo os técnicos do FMI, estaria sustentando o boom de exportações dos países menos desenvolvidos. Por isso, uma eventual reversão naqueles fatores, provocaria uma recessão mundial. É para preocupar mesmo.

Dentre os cautelosos, estão os que concordam com a necessidade de reduzir os exageros de consumo, mas negam que isso tenha de ser feito abruptamente, com um choque de juros e reflexos na economia mundial. Eles acreditam na estratégia do gradualismo que é também a preferência dos próprios bancos e dos detentores de títulos públicos dos Estados Unidos. Justificam essa estratégia com base na capacidade da economia americana em atrair investimentos externos - que continua forte - assim como na capacidade das famílias para aumentar seu próprio patrimônio, o que constitui uma boa garantia para os empréstimos contraídos junto aos bancos e cartões de crédito.

É uma controvérsia que, sinceramente, não consigo superar. Mas tenho mais simpatia pelo gradualismo que, aparentemente, já começa dar as graças. Em vista da elevação dos juros, os americanos estão considerando que o tempo dos financiamentos baratos passou. O fantasma da inflação está trazendo maior cautela aos consumidores. Os elevados preços do petróleo são vistos como definitivos. E a garantia de empréstimos com imóveis residenciais enfrenta a resistência dos bancos.

Se essa for a trajetória daqui para frente, ao longo de uns cinco ou seis anos, as nações menos desenvolvidas poderão contar com os compradores americanos, ainda que mais moderados. Ao lado deles, é claro, estará a China com sua insaciável gula por bens e serviços para continuar crescendo 9% ao ano. Mas o gigante asiático também será beneficiado com o esfriamento gradual do consumo americano. Isso vale também para o Brasil. É melhor vender menos com segurança do que vender muito dentro de uma bolha que pode estourar a qualquer momento.

Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta página