Valor Econômico, v. 20, n. 4980, 14/04/2020. Brasil, p. A6

Perda de arrecadação será pior em cidades maiores
Rodrigo Carro


Mais dependentes da receita do Imposto Sobre Serviços (ISS), as grandes cidades devem sentir com mais intensidade o impacto na arrecadação tributária causado pelo fechamento do comércio durante a pandemia. Estudo do Observatório de Informações Municipais (OIM) comprova que o peso do ISS na arrecadação tributária das prefeituras cresce à medida que aumenta o porte demográfico dos municípios, chegado a 54,85% em cidades com mais de 5 milhões de habitantes (São Paulo e Rio de Janeiro). Na comparação com o período anterior ao surto do novo coronavírus, as receitas do setor de serviços caíram quase pela metade no Brasil.

A queda aparece em dados compilados pela Cielo. Em seu boletim mais recente, que trata dos efeitos da covid-19 sobre o varejo brasileiro, a empresa aponta recuo de 51,8% no faturamento do setor de serviços. O percentual negativo se refere ao período entre 1º de março e 8 de abril, em relação aos dias comparáveis anteriores ao surto do novo coronavírus. Para compor a base de “dias comparáveis”, os dados foram dessazonalizados, e as informações consideradas atípicas, excluídas.

“O conjunto de dados da Cielo] confirma o que todos dizem: esta é uma recessão de serviços, em todo mundo”, afirma o economista José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). “No Brasil, vai prejudicar fortemente as prefeituras das grandes cidades, que dependem muito do ISS. Pior é que nelas estão concentrados os casos de coronavírus e os hospitais, muitos, aliás, são da rede pública municipal.”

Desde o início do surto da covid-19, o varejo brasileiro apresentou retração de 24,9%, de acordo com os dados da Cielo. Diretor de inteligência da empresa, Gabriel Mariotto explica que o cálculo leva em consideração 1,3 milhão de estabelecimentos comerciais, responsáveis por cerca de 40% de vendas do varejo no país, mas que os dados passam por ajustes de forma a representar a totalidade do segmento no Brasil.

“A quarta semana de março foi o vale [ponto mais baixo do período pesquisado]. Nas duas primeiras semanas de abril, o percentual de queda diminuiu”, afirma Mariotto.

Com base em dados da base da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o estudo do Observatório de Informações Municipais (OIM) indica que o Imposto Sobre Serviços foi responsável por 47,94% do total da receita tributária municipal em 2018.

Cidades com população entre 1 milhão e 5 milhões de habitantes - caso de boa parte das capitais brasileiras - ultrapassam a média nacional. Para esse grupo específico, a participação da receita do ISS na arrecadação de impostos chegava a 48,51% em 2018. Nos municípios pequenos, a tendência é de menor dependência em relação ao ISS e ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), esclarece François Bremaeker, gestor do OIM e autor do estudo.

“Nos municípios muito pequenos, além de o IPTU ser de pouco valor arrecadatório, a prestação de serviços também é pequena. E, no mais das vezes, ou são serviços de pouco valor agregado ou são praticados no regime dos MEIs [microempreendedores individuais], no qual o ISS é meio que simbólico”, justifica Bremaeker.

O economista José Roberto Afonso frisa que o Sistema Único de Saúde é “municipalizado”, na medida em que as prefeituras são obrigadas a aportar recursos para manter o SUS funcionando. “Muitos prefeitos contratam ou pagam num leito de UTI muito mais que o SUS repassa a eles”, pondera ele.

Na análise de Gilberto Perre, diretor-executivo da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), o país vem assistindo uma municipalização generalizada das políticas públicas. Como exemplo, Perre cita a área de saúde, na qual o atendimento médico de média e alta complexidade está, “cada vez mais, na mão dos prefeitos”.

Segundo ele, os prefeitos das grandes cidades veem com desconfiança a proposta do governo federal de fundir o ISS a outros impostos (IPI, PIS, Cofins e ICMS) como parte de uma reforma tributária. “Estudos mostram que a participação do ISS na receita tributária é crescente”, diz.

Perre argumenta que, numa economia que caminha cada vez mais da aquisição de bens para a locação (ou pagamento de uma assinatura de uso) de produtos, o ISS é o “imposto do futuro”.