Correio Braziliense, n. 21881, 12/02/2023. Cidades, p. 13
A dor dos órfãos dos feminicídios
Carlos Silva
Darcianne Diogo
Mila Ferreira
Na capital do país os feminicídios deixam, em média, 41 órfãos por ano. Nos primeiros 35 dias de 2023, no entanto, essa média ficou bem acima da registrada: nove filhos e filhas já perderam as mães, assassinadas em razão de gênero. Os dados são resultado do cruzamento das estatísticas do governo e levantamento de reportagens sobre os casos mais recentes ocorridos no DF.
Aos 49 anos, Jaqueline Guimarães custou a se dar conta de que estava enterrando a irmã caçula, Izabel Guimarães, 36, assassinada com um tiro na cabeça disparado pelo namorado. A sobrinha dela, de apenas 10 anos, assistiu à barbárie. “Por mais que a amemos, ela (filha de Isabel) nunca vai esquecer a violência vivida. Vai sempre se lembrar de ter ficado abraçada ao corpo ensanguentado da mãe”, lamentou, aos prantos, em tom de revolta.
O depoimento de Jaqueline ao Correio é entrecortado por pausas, como se ela buscasse as palavras mais apropriadas para expressar a extensão do vazio e da preocupação com a sobrinha. “As pessoas ficam dizendo para (eu) ser forte, que a vida continua. Eu não quero ser forte. Eu não consigo ser forte. É tudo muito injusto e, ainda que esse assassino pegue pena máxima, essa dor jamais vai passar.”
Traumas antes e depois
A psicóloga Jhanda Siqueira explica que o trauma da violência contra a mulher antecede o feminicídio e também pode gerar sequelas para a vida toda. Nas palavras dela, ninguém passa ileso por uma violência, fato que gera em crianças, adolescentes e jovens, sensação de abandono e solidão porque as pessoas que deveriam estar passando segurança estão mostrando agressão.
Quando as agressões psicológicas, verbais e físicas culminam com o assassinato da mãe e esse filho presencia o crime, o trauma ocorre em diversos níveis. “A criança sente que não tem valor, pois ao ver o pai matando a mãe, sente que o pai, de certa forma, também está matando a sua existência. O luto da criança tem vários sentimentos envolvidos: medo de todos, falta de vínculo seguro na vida, entre outros. Entre as consequências, estão o risco de depressão, ansiedade ou o Transtorno do Deficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH). Ela também pode se tornar agressiva”, acrescenta a psicóloga.
A profissional explica ainda que o ideal é que as crianças que passam por esse tipo de trauma tenham acompanhamento psicológico e psicopedagógico até a vida adulta para que não se tornem adultos disfuncionais. “A tendência é que o trauma gere dificuldade de confiar nela mesma e nos outros. Pode também se transformar em uma pessoa abusiva, por espelhar o comportamento do pai. Elas se identificam com o agressor como forma de defesa, o que pode fazer com que nunca se relacionem de forma equilibrada”, destaca Jhanda.
Para a copeira Márcia Santos, 33, a dor de perder a irmã Mirian Nunes, 26 anos, morta, asfixiada, pelo ex-companheiro Maxwel Lucas Rômulo Pereira de Oliveira, 32, é um fardo pesado demais para a família. “Eu e meu irmão estamos tentando ajudar minha mãe a seguir. Ela está vivendo um dia de cada vez e busca forças nos filhos e netos. Posso dizer que um pedaço dela foi embora (com Mirian)”, descreveu.
Mirian teve três filhas: Lara Sofia, 6, Ana Mikaela, 8, e Maria Alice, 2 meses. Com um fio de voz, a tia das crianças conta que elas ainda não conseguiram processar que a mãe não voltará mais para casa. A mais velha, Mikaela, fez um desenho da mãe no caixão. A do meio, Sofia, não consegue se referir à mãe no passado. “Dia desses, ela falou algo que me marcou muito. Disse que não podia ficar longe da mãe, pois poderia adoecer. Tive que explicar que a Mirian não está mais aqui. Agora, vive no céu”, relatou aos prantos. O Correio tentou contato com os familiares de Jeane, Giovana e Fernanda, mas eles preferiram não se manifestar.
O aumento das estatísticas comprova que, por mais que o governo anuncie medidas para conter os assassinatos de mulheres em razão de gênero, elas não têm dado respostas concretas para conter o avanço desse tipo de crime. Entre 2015 e novembro de 2022, houve 152 feminicídios no DF.
Onde pedir ajuda?
Quatro meios para recebimento de denúncias
» Denúncia on-line (https://is.gd/obhveF)
» Telefone 197 Opção 0 (zero),
» Email denuncia197@pcdf.df.gov.br
» WhatsApp (61) 98626-1197.
» A PMDF também se coloca à disposição pelo 190.
» Telefone 180 (Central de Atendimento à Mulher)
» Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias:
» Deam 1: previne, reprime e investiga os crimes praticados contra a mulher em todo o DF, à exceção de Ceilândia.
» Endereço: EQS 204/205, Asa Sul.
» Telefones: 3207-6172 / 3207-6195 / 98362-5673
» E-mail: deam_sa@pcdf.df.gov.br
» Deam 2: previne, reprime e investiga crimes contra a mulher praticados em Ceilândia.
» Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia
» Telefoes: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438