Valor Econômico, v. 20, n. 4980, 14/04/2020. Política, p. A10
Governo freia geolocalização e Moro critica Estados
Isadora Peron
Fabio Murakawa
Murillo Camarotto
Rafael Bittencourt
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, afirmou ontem que vê com “preocupação” as medidas tomadas por alguns Estados de usar dados de geolocalização para monitorar o deslocamento da população em meio à pandemia.
“Esse é um aspecto novo, no âmbito dessa pandemia, de necessidade de se abrir mão um pouco da privacidade para atingir algumas finalidades públicas”, disse em entrevista para o portal “Jota”.
Segundo o ministro, embora os Estados afirmem que não há a identificação das pessoas, somente a localização anônima, o uso desses dados representa “uma intromissão na privacidade”.
Moro destacou ainda que o governo federal não tem usado o mecanismo. “Realmente é algo que nós temos que nos preocupar e evitar que o combate à pandemia possa gerar abalos em outras áreas com consequências depois imprevisíveis”, disse.
Segundo relatou o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, nas redes sociais, a pasta estava pronta para começar usar dados de celular para o combate à pandemia, mas que a medida foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro, que pediu “prudência” e “análises extras”.
Moro também voltou a afirmar que a polícia pode prender pessoas que desrespeitarem as medidas de isolamento e quarentena. Ele lembrou da portaria editada pelo governo em março, mas afirmou que o texto “trata de cenários bastante específicos”, como pessoas infectadas que não respeitam o isolamento.
O ministro também citou o artigo 268, do Código Penal, que permite punir com detenção quem cometer “infração de medida sanitária preventiva”.
Moro, no entanto, ponderou que “deseja que ninguém seja preso por conta da pandemia” e defendeu o diálogo com a população. “Essa é uma medida em última análise. As pessoas têm que seguir as orientações que forem necessárias para debelar a pandemia e nós temos que ter cuidado com exageros, com atos que possam representar alguma espécie de abuso.”
O entendimento de Moro contrasta com a nota divulgada no fim de semana pelo advogado-geral da União, André Mendonça, que afirmou que vai recorrer à Justiça se governos decretarem “medidas restritivas de direitos fundamentais”.
Questionado se o seu posicionamento contrariava o que disse o advogado-geral da União, Moro desconversou. “Isolamento de um infectado, ninguém tem uma divergência a uma situação dessa espécie. A pessoa não deve sair passeando por aí”, disse.
Na semana passada, o governador de São Paulo, João Doria, anunciou que a polícia poderia até prender quem desrespeitasse a quarentena no Estado.
Mais tarde, em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, Moro foi questionado sobre o aumento no número de casos de presos com coronavírus, mas disse que a situação está “absolutamente sob controle”. Somente no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, há 23 casos.
Já em relação à morte de indígenas pela doença, Moro afirmou que a Polícia Federal (PF) tem agido para coibir o garimpo ilegal em terras indígenas e que a Fundação Nacional do Índio (Funai) está em contato com as forças locais para evitar que esses invasores levem o coronavírus para dentro das aldeias.
O ministro admitiu que “havia anteriormente intromissões indevidas nas terras indígenas” e defendeu o isolamento das comunidades. Já houve cinco mortes entre indígenas.
Também presente na coletiva, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse que o governo destinará R$ 4,7 bilhões para ajuda no combate à pandemia em comunidades tradicionais, como indígenas, quilombolas e ciganos. Desse montante, a maior parte (R$ 3,2 bilhões) refere-se aos repasses da ajuda emergencial de R$ 600 paga pelo governo. Também está previsto a distribuição de cestas básicas e kits de higiene, além da compra de máscaras e equipamentos.