Título: Além do Fato: O Brasil e sua vocação como 'nação comerciante'
Autor: Marcos Troyjo
Fonte: Jornal do Brasil, 11/12/2005, Internacional, p. A14

É perigoso fazer previsões, sobretudo em relação ao futuro, brincava Mark Twain. Esta, porém, é uma tarefa inescapável àqueles que precisam oferecer algum tipo de orientação sobre as tendências que os fluxos de riqueza e poder devem seguir. Parece fundamental atrelar ¿umbilicalmente¿ a tarefa de acumulação de poupança ao imperativo do investimento em educação, ciência e tecnologia. Dada a natureza da acumulação de capitais em países como o Brasil, tais recursos virão, será forçoso optar, grosso modo, pela via do endividamento externo ou da formação de superávits comerciais associados à atração de investimentos estrangeiros diretos (IEDs). Para tanto, teremos de divisar estratégias e formar recursos humanos adequados. Haveremos de nos reinventar como ¿nação-comerciante¿. Com estas constatações em mente, poderemos auferir mais ou menos vantagens dos cenários internacionais para os próximos anos. E, nesse aspecto, um dos estudos mais interessantes lançados acerca de ¿cenários¿ para o futuro é o chamado ¿Global Trends 2015: A Dialogue with NonGovernment Experts¿, realizado pelo Conselho Nacional de Inteligência dos Estados Unidos. O estudo traça cenários para a economia mundial.

A primeira hipótese é o continuado crescimento dos termos de comércio internacional e o conseqüente fortalecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) como mais importante fórum para a economia global. Segundo o relatório, o PIB mundial experimentará na próxima quinzena de anos taxas de crescimento tão elevadas como as das décadas de 60 e 70. Admite, porém, que seus benefícios serão absorvidos de forma bastante assimétrica pelos 7,2 bilhões de pessoas que habitarão o planeta em 2015.

Para os chamados ¿mercados emergentes¿, as previsões são razoavelmente otimistas, sobretudo para as economias do Sudeste Asiático e da América Latina. Quanto aos grandes mercados, o relatório aponta a tendência de diminuição da importância relativa da economia russa e o robustecimento ainda maior das economias de China e Índia. No caso brasileiro, é interessante notar que o estudo projeta para o país um PIB de cerca de 2 trilhões de dólares, amparado por instituições democráticas firmes e consolidadas.

Ressalta, no entanto, que o mundo (em desenvolvimento) não está completamente vacinado contra vírus financeiros de efeitos devastadores como o que se viu alastrar em 1997-98 na Ásia, Rússia e mesmo no Brasil. Assim, a evolução da globalização nos próximos anos será marcada pela volatilidade crônica de capitais e por uma ampliada exclusão econômica.

O estudo conclui com a projeção de quatro cenários alternativos para o mundo em 2015:

1) Globalização Inclusiva ¿ aqui ocorreria um círculo virtuoso entre o desenvolvimento científico-tecnológico e a expansão econômica, com a aplicação de mecanismos de combate das distâncias sociais, em parceria inovadoras entre o Estado e a sociedade civil sob a noção de ¿boa governança¿. Diminuem consideravelmente os conflitos armados em todo o mundo;

2) Globalização Perniciosa ¿ aqui verificaríamos uma tendência à elitização do conhecimento e dos benefícios tecnológicos e econômicos da globalização com o crescente distanciamento em todos os campos de atividade humana entre grupos de indivíduos ou países;

3) Competição Regional ¿ nesta hipótese, a formação de blocos políticos e econômicos na Europa, Ásia e Américas levaria à decrescente cooperação internacional, com o incremento do protecionismo comercial e o esvaziamento da interação nos campos científico-tecnológico e cultural;

4) Mundo ¿Pós-Polar¿ ¿ rupturas mais severas são observadas no diálogo Ocidente-Oriente e aprofundam-se as diferenças econômicas e sociais entre os hemisférios Norte-Sul. A intolerância étnica e religiosa prevalece sobre as forças e os valores ¿universalistas¿ da globalização.

Em qualquer cenário, contudo, os chamados ¿mercados emergentes¿, não poderão mais sustentar suas estratégias de desenvolvimento com base na emissão de títulos governamentais que remuneram, a altos níveis de juros, capital abundante e disponível nas praças financeiras de Europa, EUA e Japão. A saída tem de ser pelo incremento do desempenho no comércio internacional, mediante acumulação de superávits comerciais sustentados e atração de investimentos estrangeiros diretos (IEDs). Esta combinação de atração de IEDs e fortalecimento da promoção internacional de nossas empresas e produtos carece de um insumo fundamental: gente.

O Brasil apresenta uma das mais baixas DISCs (densidade internacional da sociedade civil) do mundo. Afinal de contas, quantas empresas brasileiras participam de atividades internacionais de comércio e investimento? Quantas universidades brasileiras podem considerar-se internacionais? Que órgãos de imprensa brasileiros possuem importante presença no mundo? Que porcentagem da população é fluente em inglês ou já viajou ao exterior? A resposta é: ¿muito poucos¿. Nunca a sociedade e as empresas brasileiras tiveram tanta demanda por ¿atores internacionais¿. No entanto, esta demanda não é quantitativa ou qualitativamente satisfeita. Não estranha que o Brasil ocupe apenas 1% do comércio internacional. O ponto é que não apenas nossos jovens profissionais teriam dificuldades em transitar por essas questões. Também a empresa brasileira, em especial a micro ou pequena ¿ principais empregadoras ¿, entende no mais das vezes que esses temas pertencem a outra galáxia, e que, portanto, estão imunes, para o bem ou para o mal, aos efeitos dos fluxos internacionais de comércio e investimentos.

Tal postura, combinada com a inadequação de muitos dos currículos universitários que, para fins da atuação internacional, formam ¿espectadores bem-informados¿ em vez de ¿protagonistas¿, contribuem para o isolamento brasileiro. Vencer a insularidade é formar não apenas gente para o mundo da análise, mas para o mundo da ação. Formular respostas a perguntas como estas para o bem de nossas empresas ¿ e destarte de nossa sociedade ¿, aliando educação e setor produtivo por meio de recursos humanos qualificados e estratégias corporativas, é o que chamo de ¿Diplomacia Empresarial¿.

Apesar do engajamento brasileiro na fase de ¿mega-negociações¿ do comércio internacional ¿ mesmo que o contorno final das tratativas nos âmbitos da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), OMC e Mercosul-União Européia nos seja favorável, isto não bastará. Não se deve apreciar um quadro apenas por sua moldura. A beleza da pintura estará nas pinceladas que universidades e empresas lançarem sobre uma dimensão da economia internacional onde os Estados não são os principais agentes. Temos, assim, de fortalecer a rede de promoção comercial e de atração de investimentos produtivos, sobretudo a partir de plataformas privadas.

Talvez esteja faltando no panorama brasileiro uma dimensão ainda mais ampla. Afinal de contas, seja no âmbito do Estado, seja no da sociedade civil, aparentemente perdeu-se a noção da importância de um ¿projeto¿ para o País. É claro que algumas escolas de desenvolvimento econômico, sobretudo as chamadas ¿neo-institucionalistas¿, de quem é porta-voz Douglass C. North (prêmio Nobel de Economia em 1993), advogam que o florescimento da prosperidade se dá, a exemplo das experiências históricas dos EUA e Reino Unido, na ausência de planejamento estratégico; sem o imperativo de um ¿plano para o futuro¿.

Parece-me, contudo, que o desenvolvimento econômico emerge de forma sustentada com a interação entre ¿4 Estoques¿:

1) Um estoque de capital, representado pela binômio poupança-investimento que uma determinada sociedade logra articular;

2) Um estoque de conhecimento, representado pelo montante que uma sociedade investe e extrai do dispêndio com ciência & tecnologia, e de como, particularmente, este conhecimento gerado pode ser ¿apropriado¿ na forma de bens de alto conteúdo tecnológico a serem apresentados para o mercado;

3) Um estoque de liberdade, representado pela capacidade de vislumbrar a percepção de lucros caso a atividade econômica, empreendedora e que corre risco, seja bem-sucedida;

4) Um estoque de ambição, representada pelos valores que uma sociedade deposita na livre iniciativa e no ¿ranking¿ social aferido a partir de uma ¿meritocracia econômica¿.

Que bom seria se, no caso brasileiro, fizéssemos uma escolha fundamental em termos de ¿plano¿ para o país e elegêssemos o modelo de ¿trading state¿ como principal ferramenta para nossa inserção externa. Nesse contexto, poderiam ter parte em tal modelo o planejamento de fazer com que, digamos, ao cabo de 10 anos, 20% de toda nossa atividade de comércio internacional se dessem no âmbito de empresas com até 250 funcionários.

Neste Brasil do início do século XXI, apesar dos crescentes termos de comércio observados, somos ainda apenas o 25º maior exportador. Se somadas nossas importações, não figuramos dentre os 30 maiores atores do comércio internacional. Cabe ao Brasil, mais do que nunca, fortalecer sua vocação como ¿nação-comerciante¿.

Marcos Troyjo lança o livro Manifesto da Diplomacia Empresarial na quarta-feira, dia 14, às 19h30, na Livraria Argumento do Leblon.