Valor Econômico, v. 20, n. 4980, 14/04/2020. Política, p. A10

Ministro trocou condição de vítima por afronta

Maria Cristina Fernandes 


A entrevista do ministro da Saúde ao “Fantástico”, da TV Globo, na noite do domingo, desagradou até correligionários. No DEM, a avaliação é que Luiz Henrique Mandetta deixou evidente que cava sua própria demissão e trocou a oportunidade de sair como vítima pela condição de quem pode vir a sair por ter afrontado desnecessariamente o presidente da República.

O ministro chegou a repreender quem “vai à padaria” durante a quarentena, um dos passeios de Jair Bolsonaro na Páscoa, e, sem mencionar a cloroquina, disse que não é um “toque de mágica” que vai combater a pandemia. Mas foi nos minutos finais da entrevista que Mandetta afrontou abertamente Bolsonaro. Primeiro quando disse que a população fica sem saber se escuta o presidente ou a si mesmo e depois quando o comparou a um paciente que sofre de diabetes e, apesar de alertado pelo médico contra a ingestão de doces, continua a fazê-lo.

Nos dois momentos, Mandetta demonstrou acreditar exageradamente no que dizem as pesquisas. Sim, hoje o ministro é mais bem avaliado do que o presidente, mas o cargo é deste. Numa canetada, Bolsonaro pode decidir que Mandetta não é mais ministro e resolver a dúvida do cidadão. E não haverá efeitos colaterais sobre sua popularidade que o impeça.

Para aliados, pesou sobre a entrevista a inexperiência e o fato de estar hospedado na casa do governador de Goiás, Ronaldo Caiado, também do DEM, e recentemente rompido com o presidente. O governador goiano foi o principal cabo eleitoral de Mandetta para o ministério. Em participação recente no “Roda Viva”, da TV Cultura, no entanto, quando indagado como via as perspectivas de o ministro vir a disputar a Presidência pelo DEM, Caiado, ele próprio um presidenciável, desconversou: “O negócio do Mandetta é saúde pública. Ele respira isso noite e dia.”

Além do apoio de Caiado, Mandetta chegou ao governo com o aval do ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, também do DEM, que hoje trabalha por sua saída. Nunca teve proximidade, porém, com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Davi Alcolumbre, ou mesmo com o prefeito de Salvador, ACM Neto. A tríade mais influente do partido sequer foi ouvida em sua nomeação.

Nada garante que o capital político que Mandetta tem hoje se preserve para 2022. Se é que o DEM, de fato, tem pretensões de chegar à Presidência ou se está melhor acomodado na gerência do Congresso, condomínio de onde passou a extrair crescente poder.

Na avaliação de correligionários do ministro, a cada dia que Bolsonaro prorroga sua saída para ganhar tempo, é Mandetta quem perde. Ainda não há um nome para seu lugar. O ex-ministro Osmar Terra se expôs, exagerada e equivocadamente. Por outro lado, o Palácio do Planalto já concluiu que o diretor-geral da Agência de Vigilância Sanitária, Antonio Barra, não tem cacife para o jogo.

Sem um nome à mão, Bolsonaro pode esperar um momento em que as mortes atinjam um pico de comoção popular para demiti-lo sob o argumento de que foi o ministro e não sua irresponsável pregação contra o isolamento social que levaram a isso. Não são fatos comprováveis, mas não é realidade, ainda por cima na era bolsonarista, a argamassa da política.