Valor Econômico, v. 20, n. 4980, 14/04/2020. Opinião, p. A12
BC promete fazer mais e conta corrente deve encolher
Em reunião virtual com o mercado financeiro, na semana passada, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, reconheceu que o real tem registrado comportamento pior do que a maioria das moedas de emergentes nos últimos meses. Como o próprio Campos Neto informou, o real se desvalorizou 23% em relação ao dólar do início do ano até 6 de abril, praticamente o mesmo que o pior da lista, o rand da África do Sul, com 23,1%. O real caiu em relação ao dólar mais do que os 17,7% do rublo, os 16% do peso colombiano e os 14% da rúpia da Indonésia.
Assim como o comando anterior do BC, Campos Neto preza a separação entre as políticas monetária e cambial; e endossa a posição de que o câmbio é flutuante. Embora tenha operado massivamente no câmbio nas últimas semanas, o BC evitou perseguir uma cotação ideal. Mas Campos Neto garantiu ao mercado que o BC pode atuar de forma “muito mais forte” no mercado de moeda caso haja necessidade de combater eventuais disfuncionalidades e “evitar excessos”. Talvez o BC ainda tenha que demonstrar o que exatamente isso quer dizer.
O BC tem atuado em várias frentes no mercado de câmbio. Já vendeu US$ 25,4 bilhões das reservas no mercado a vista neste ano, até o dia 3 de abril, volume equivalente a cerca de 70% do total de US$ 36,9 bilhões vendidos em todo o ano passado. Fez também leilões de linha, em que oferece dólares das reservas internacionais com compromisso de recompra, que somaram US$ 15,7 bilhões.
Além das vendas de dólares no mercado a vista, o BC também intensificou a oferta de contratos de swaps cambiais, o que equivale a venda de moeda no mercado futuro. Nessas operações, perdeu R$ 31,259 bilhões em março e R$ 4,453 bilhões nos três primeiros dias de abril. Desde o início do ano, a perda chega a R$ 50,9 bilhões porque o dólar não parou de subir. É a maior perda desde 2015, quando atingiu R$ 89,7 bilhões.
Os prejuízos com swap cambial causados pela elevação do dólar têm impacto fiscal porque são incorporados às despesas com juros da dívida pública, aumentando o déficit nominal, que chegou a 6% do PIB em fevereiro, marca notada pelas agências de rating. Por outro lado, a alta do dólar valoriza as reservas internacionais em reais. O ganho neste ano está em R$ 465,8 bilhões, o que não influencia as contas públicas. Mas esse ganho é incorporado ao balanço do BC e utilizado para abater a dívida pública.
Tudo indica que a pressão continuará. De janeiro até os três primeiros dias de abril, saíram US$ 13,1 bilhões do mercado brasileiro. Essa conta é resultado da retirada de US$ 28,9 bilhões pelo mercado financeiro, reduzida pelo saldo comercial, que está positivo em US$ 15,9 bilhões. A saída dos investimentos estrangeiros é generalizada entre os emergentes, e já beira os US$ 100 bilhões. O desmonte das operações internas de overhedge apenas agrava a tendência e, por isso, mereceu tratamento especial pelo BC.
O movimento terá impacto nos resultados das contas externas em março, mas já pode ser notado em fevereiro. O déficit em conta corrente totalizou US$ 3,9 bilhões em naquele mês, acima dos US$ 3,3 bilhões de fevereiro de 2019. A ampliação do déficit é resultado da redução do superávit da balança comercial de bens e, principalmente, do aumento do déficit da conta de serviços. O déficit em transações correntes nos 12 meses encerrados em fevereiro somou US$ 52,9 bilhões, 2,91% do PIB, acima dos US$ 52,3 bilhões de janeiro.
O fluxo de investimento estrangeiro no país segue financiando o déficit das contas externas, embora o volume tenha declinado. Essa conta recuou de US$ 7,7 bilhões em janeiro para US$ 6 bilhões em fevereiro, acumulando US$ 76,7 bilhões em 12 meses. Já as saídas de investimento em portfólio somaram US$ 3,4 bilhões, sendo US$ 4,5 bilhões em ações e fundos de investimento com entrada de US$ 1,1 bilhão em títulos de dívida.
Apesar da expectativa de redução dos investimentos externos e das exportações, em consequência da pandemia do coronavírus, o balanço em conta corrente deve encolher como um todo sem apresentar motivo de preocupação especial. Já sob o impacto do novo cenário, o Banco Central revisou no fim do mês passado sua projeção para o balanço de pagamentos no Relatório Trimestral de Inflação, reduzindo a projeção do déficit em conta corrente de US$ 57,7 bilhões para US$ 41 bilhões. Maior golpe será exatamente no investimento estrangeiro no país, que deverá recuar dos US$ 78,6 bilhões registrados em 2019 para US$ 60 bilhões.