Valor Econômico, v. 20, n. 4980, 14/04/2020. Finanças, p. C1

Carência para o consignado está em estudo, diz Febraban

Estevão Taiar
Marcelo Ribeiro
Talita Moreira 


As instituições financeiras estudam conceder carência para empréstimos consignados, permitindo que os clientes adiem o pagamento das parcelas, afirmou ontem o presidente Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney. A suspensão temporária do pagamento em outras linhas foi uma das primeiras medidas adotadas pelas instituições financeiras na crise do coronavírus, ainda em meados de março.

“Os bancos estão trabalhando intensamente para tentar estender a prorrogação que fizemos em outras linhas para o crédito consignado, quem sabe dando uma carência. Estamos estudando isso de forma intensa há vários dias, buscando ultrapassar problemas operacionais”, disse em “live” promovida pela Febraban. “Diferentemente das demais linhas, o crédito consignado envolve milhares de municípios, milhares de empresas e Estados que processam a folha de pagamentos”, o que traz dificuldades adicionais, segundo ele.

No consignado, o empréstimo é descontado diretamente da folha de pagamento. De acordo com o Banco Central (BC), o saldo desse tipo de operação era de R$ 393,4 bilhões em fevereiro. Dessa quantia, os empréstimos a servidores públicos alcançavam R$ 227,6 bilhões. Na sequência vinham operações com beneficiários do INSS (R$ 142 bilhões) e trabalhadores do setor privado (R$ 23,7 bilhões).

Uma das preocupações dos bancos é o risco de calotes de Estados e municípios. E isso tem levado as instituições financeiras a discutir a possibilidade de permitir que se posterguem por 60 dias os pagamentos de parcelas de empréstimos consignados. O objetivo é flexibilizar as condições para funcionários nos casos em que o setor público atrasar o pagamento de salários. Há Estados que já estão com atrasos na folha, caso do Rio Grande do Sul.

“Se o Estado perdeu a capacidade de pagamento e não pagou o salário, temos que buscar o cliente e oferecer a prorrogação dos vencimentos. Não vamos prejudicar ninguém”, afirma um executivo do setor bancário que acompanha as discussões. “As pessoas vão precisar renegociar. A economia vai sofrer um choque muito profundo.”

A medida também é, segundo esse interlocutor, uma blindagem para os bancos diante de propostas que começam a circular e preveem a interrupção dos repasses às instituições financeiras. Algumas sugerem que os descontos em folha continuem sendo deduzidos dos funcionários, mas não remetidos aos bancos. Outras apontam para a interrupção das cobranças por um período de tempo com juro zero.

Entre INSS, servidores federais, estaduais e municipais, o setor público representa 95% do crédito consignado no país. São clientes, portanto, menos sensíveis ao risco de desemprego. No entanto, podem ter sua possibilidade de pagar as operações por causa de atrasos no pagamento de pensões e salários.

Sidney destacou ontem na “live” que há projeções apontando queda de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil neste ano. Além disso, a crise já tem elevado a inadimplência de clientes com os bancos. Ele alertou para os efeitos negativos que um movimento generalizado de descumprimento de contratos pode ter sobre a economia. “Tanto pior será a recessão se nós tivermos um risco de crédito não mitigado e uma inadimplência não mitigada, porque isso vai retrair o crédito, que é uma grande alavanca” para a recuperação.

Desde o início da pandemia no Brasil, segundo o presidente da Febraban, os empréstimos renegociados somam entre R$ 130 bilhões e R$ 150 bilhões. Com as operações novas realizadas no período, o montante está próximo dos R$ 400 bilhões. Com dificuldades para se financiar no mercado de capitais, as grandes empresas voltaram a buscar empréstimos em instituições financeiras tradicionais nas últimas semanas, de acordo com ele.

“Precisamos separar, de um lado, as pequenas e médias empresas, que estão renegociando suas dívidas”, disse. “Temos que separar isso das grandes empresas, que estão demandando valores muito elevados, o que impacta de forma significativa a liquidez dos bancos, com reflexo na curva de juros. A curva de juros longa aumentou de forma significativa. Isso tem que ser tratado de forma diferenciada.”

Por outro lado, a maioria das pequenas e médias empresas têm conseguido acesso a crédito para pagar a sua folha salarial. Nas estimativas do presidente da Febraban, entre 80% e 90% das companhias que buscaram a linha oferecida pelo governo federal e pelos grandes bancos foram atendidas.

Apesar da magnitude da crise, Sidney garantiu que o sistema financeiro se encontra em condição favorável para enfrentar as turbulências.

“Estamos sólidos e saudáveis”, afirmou. Além disso, disse que, caso a conjuntura siga em deterioração, as instituições financeiras estarão abertas para renegociar “as dívidas por um período mais longo, dando carência também mais longa”.