O Globo, n. 32482, 13/07/2022. Política, p. 8

Congresso recua de orçamento secreto impositivo

Camila Zarur
Fernanda Trisotto


O Congresso aprovou ontem a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) mantendo a previsão das emendas de relator, que dão base ao orçamento secreto, mas sem o trecho que obrigava o governo a pagar todos os recursos. A medida havia sido incluída pelo relator da proposta, senador Marcos do Val (Podemos-ES), mas ele recuou após um acordo para tirar a exigência do texto.

Outras mudanças propostas por Do Val passaram. Entre elas, a que divide o poder do relator-geral com o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) para as indicações e ordem de prioridade da execução das emendas. Neste ano, respeitando o revezamento entre relatoria e presidência do colegiado entre senadores e deputados, o relator-geral do Orçamento de 2023 é o senador Marcelo Castro (MDB-PI) . Já o presidente da CMO é o deputado Celso Sabino (União-PA), que é próximo a Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara. Essa mudança, na prática, amplia o poder dos deputados sobre o Orçamento no próximo ano.

A LDO define as linhas gerais de como o dinheiro público deve ser gasto no ano seguinte. A partir dos parâmetros estabelecidos pelo projeto aprovado ontem pelo Congresso, o governo enviará uma proposta de Orçamento para 2023, que deve ser aprovada até o dia 31 de dezembro.

O Congresso também aprovou um dispositivo que mantém oculto padrinhos de emendas do relator quando elas forem remanejadas para outras áreas do orçamento. Por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso teve que adotar medidas para dar transparência ao orçamento secreto.

O artigo aprovado faz parte do projeto que adapta as regras para abertura de crédito suplementar e permite o remanejamento de emendas para despesas que o Planalto tem liberdade para decidir como gastar.

Segundo o projeto, o Executivo poderia utilizar os recursos das emendas de relator, chamadas de RP-9, que não foram executadas. Nesses casos, o autor não precisaria ser identificado. Parlamentares da oposição denunciam que, na prática, o dispositivo permitirá que governo escolha os repasses de aliados junto ao relator do Orçamento, remanejandoos para serem considerados emendas discricionárias (RP-2), e ocultando o nome dos que fizeram as indicações do destino das verbas.

— Ou seja, estamos fazendo o secreto do secreto, é o secreto ao quadrado. É isso que queremos retirar do texto—disse o líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN), durante a sessão.

Insatisfação

Já na LDO, por causa da mudança no trecho que tratava das emendas de relator, parlamentares do Centrão, aliados do governo de Jair Bolsonaro, e do União Brasil, tentaram adiar a votação para manter a proposta de obrigatoriedade do pagamento do orçamento secreto.

Caso fosse aprovado pelo Congresso, o pagamento obrigatório das emendas de relator daria mais poder aos parlamentares sobre o Orçamento, enfraquecendo o próximo presidente, que teria menos margem para escolher como aplicar os recursos públicos. No orçamento secreto, o governo contempla deputados e senadores aliados com verbas além do que eles têm direito. O mecanismo tem sido utilizado por Bolsonaro para angariar apoio em votações importantes.

O acordo que permitiu a votação ontem foi costurado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), com líderes do Congresso e o governo federal. O GLOBO apurou que o presidente do Senado havia exigido que o trecho fosse retirado após declarações de Do Val, que, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, disse ter recebido recursos via emendas de relator como “gratidão” por ter votado em Pacheco na disputa pela presidência da Casa, em 2021.

Apesar de os parlamentares terem retirados o artigo que tornaria o orçamento secreto impositivo, eles mantiveram no texto o item que reserva uma parte dos recursos do Orçamento para emendas, que incluem as do relator. Na prática, a medida já deixa um valor que pode chegar a R$ 19 bilhões para esse tipo de despesa.

O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (PL-TO), afirmou na abertura da sessão do Congresso ontem que havia acordo entre as lideranças para derrubar a impositividade das emendas de relator:

— Entendendo que essa legislação ainda carece de regulamentação, de discussão mais aprofundada na Comissão do Orçamento e nas comissões temáticas na Câmara e Senado, e, portanto, isso ficou consolidado.