Título: Real 'caro' traz distorções
Autor: Henrique Domingues Neto
Fonte: Jornal do Brasil, 12/12/2005, Opinião, p. 0

O real está caro. Ou seja, sobre valorizado em relação ao dólar, principal parâmetro de comparação. Significa que em algum momento ocorrerá o ajuste da cotação da moeda norte-americana, mesmo que seja gradual. Se valor do câmbio persistir assim por muito tempo, aumentarão distorções verificadas na economia brasileira. Incluindo nos investimentos de diversos ativos (títulos, ouro, ações e imóveis)

O dólar (comercial, ou PTAX) fechou a semana passada valendo R$ 2,25. Representa queda acumulada de mais de 15% em 2005.

Existe uma forma relativamente simples de detectar se o real está caro, utilizando a variação da inflação. Ao compararmos o aumento de preços com a taxa de câmbio, concluímos que nossa moeda está acima de um valor ''justo''. O termo justo está entre aspas porque refere-se ao significado usado no mercado financeiro, no qual se utiliza dados técnicos para avaliar a valorização/desvalorização de ativos.

Quando o Plano Real fazia o primeiro aniversário, em maio de 1995 - portanto, há mais de dez anos -, o dólar valia pouco menos que R$ 1. Utilizando essa taxa de câmbio e a atual, constatamos valorização de 120% do dólar frente ao real.

Agora vem o pulo de gato para verificarmos se o real está ou não muito acima do ''justo''. O valor de uma moeda se relaciona à inflação: se a taxa inflacionária é alta (com aumento expressivo dos preços de produtos e serviços), representa perda do poder de compra dessa moeda - porque o cidadão tem de usar mais dinheiro para comprar um mesmo bem.

Calculando a inflação acumulada entre maio de 1995 e o mês passado, chegaremos ao aumento de preços de 215%. As contas se baseiam no IGP-M, um dos índices inflacionários oficiais. Em outras palavras, a moeda desvalorizou-se 215%.

Dá para sentir algo errado na discrepância: o real perde 215% de seu poder de compra mas só desvalorizou 120% em relação ao dólar... A conclusão é inequívoca: o real valorizou-se bastante sobre a moeda norte-americana.

O leitor pode argumentar: ''Ah, mas devemos levar em conta a desvalorização do dólar, considerando a inflação nos Estados Unidos, e aí explicaríamos o fortalecimento do real...''.

Façamos o cálculo. Digamos que, desde maio de 1995, a taxa inflacionária nos EUA tenha sido de 3% ao ano - absurdo em se tratando de economia desenvolvida, mas coloquemos por alto. Teríamos inflação acumulada (desvalorização do dólar) de pouco mais de 30%. Muito abaixo dos quase cem pontos percentuais do cálculo anterior. Portanto, a depreciação da moeda norte-americana não justifica a enorme valorização relativa do real.

Agora, uma demonstração de como a sobrevalorização afeta nossos projetos de vida. Mesmo com a estabilização econômica brasileira, a compra e venda de imóveis muitas vezes tem por referência o dólar.

Tomemos como exemplo um apartamento no setor Sudoeste de Brasília. Há seis anos, um imóvel de 100m² no bairro custava ao redor de US$ 100 mil. Hoje, é negociado entre US$ 200 e 220 mil, ou 100% a mais em dólar.

É sinal de que algo está errado... Nenhum ativo (não exótico) costuma se valorizar em tal proporção quando se utiliza uma moeda estável como o dólar norte-americano. Vejam a situação do hipotético vendedor desse imóvel: se, há seis anos, tivesse embolsado (e mantido) dólares, hoje só compraria metade do apartamento. Um enorme prejuízo.

As distorções vão além. Profissionais que recebem em dólar e sobretudo empresários cujas atividades estão relacionadas a exportações estão sofrendo com a taxa de câmbio. Os recordes na balança comercial brasileira não implicam felicidade geral entre negociantes.

Pecado não é ter moeda forte, muito pelo contrário. O problema é quando a valorização ocorre mais por circunstâncias externas favoráveis, como na atualidade. Nossa economia tem muitas falhas graves estruturais, e não suporta o real tão forte sem efeitos colaterais. Exemplo disso são os exportadores de calçados, setor com alta geração de empregos. Segundo o Ministério do Trabalho, este ano foram fechadas 41 fábricas e demitidos 13,6 mil trabalhadores.

Se a carga tributária não fosse sufocante; se os juros não fossem altos; se a corrupção não atrapalhasse a economia - e etc etc -, o real sobrevalorizado (ou o dólar depreciado) não seria problema para empresas e cidadãos...