O Globo, n. 32482, 13/07/2022. Rio, p. 28

Monstruosidade em série

Rafael Nascimento de Souza


Na terça-feira da semana passada, uma vendedora de 23 anos saiu de sua casa, em Nova Iguaçu, em direção ao Hospital da Mulher Heloneida Studart, em São João de Meriti, onde daria à luz os filhos gêmeos. Em poucas horas, nascia o primeiro, de parto normal, mas ela teve que passar por uma cesariana para a chegada do segundo bebê. A jovem conta que o anestesista da cirurgia foi Giovanni Quintella Bezerra, de 31 anos, preso em flagrante por estupro na noite de domingo. A mãe disse ter sido tão dopada pelo médico que sequer conseguiu conhecer seu bebê, que morreria um dia depois.

— O meu primeiro filho nasceu normal, e foi bem tranquilo. Para o segundo bebê nascer, eles disseram que teria que ser cesárea porque a gente corria risco de vida — conta ela, que completa:

— Os funcionários ficaram desesperados. Pelo tempo de demora, eles ligaram para o anestesista, esse monstro. Ele veio, me deu uma raqui (anestesia raquidiana) e um remédio no braço. Em seguida, comecei a sentir muito sono. Ele, sempre atrás da minha cabeça, com o pano, e os outros tentando achar a criança.

‘Ele é um monstro’

Com a prisão de Giovanni, após ser flagrado numa gravação abusando de uma mulher na mesa de parto, a vendedora registrou um boletim de ocorrência contra o médico na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam) de São João de Meriti. Os casos, portanto, além de extremamente repugnantes, podem não ser os únicos. A polícia já investiga seis supostos estupros cometidos pelo anestesista. A família dela lembra que a jovem saiu da sala de parto com o rosto sujo de uma substância branca, que acredita ser sêmen. Apesar da situação traumática, ela resolveu quebrar o silêncio. Na opinião dela, procurar a polícia pode levar outras mulheres a denunciarem Giovanni.

— Eu não queria dormir. Queria ver o meu bebê nascer. Mas ele disse que eu poderia dormir, ficar tranquila. Infelizmente, eu vi meu filho sair da barriga, mas não cheguei a pegá-lo no colo. Eu não pude pegar meu filho no colo antes de ele falecer. Só acordei horas depois, sem saber o que tinha acontecido. Eu não sei o rosto do meu filho. Só conheço o meu filho por foto. Eu estava dopada por esse mostro — contou a vendedora, chorando.

Além do rosto sujo e da sedação, a desconfiança da família sobre a possibilidade de estupro aumentou porque o anestesista teria pedido para o marido dela a sair do centro cirúrgico.

—Teve o parto normal. E depois entrei na sala na metade da cesariana. Fiquei apenas dois minutos. O anestesista me mandou sair. Ele não alegou nada. Só consegui ver meu filho na sala de incubadora. Não briguei porque achei que era um procedimento normal. Eles estavam muito nervosos porque não achavam a criança — relata o marido. — Você nunca imagina que sua esposa será estuprada numa mesa de cirurgia. Ele é um monstro.

‘Totalmente dopada’

Uma técnica em radiologia de 30 anos foi outra que não se calou. Ela esteve ontem na delegacia para contar que suspeita de Giovanni. Ela teve bebê no último dia 5, no Hospital da Mãe, em Mesquita, onde o anestesista também atuava:

— O que me chamou a atenção foi a anestesia geral. Eu já tive outros três filhos de cesárea e nunca havia tomado anestesia geral. Eu fiquei totalmente dopada. Quando vi as imagens dele, eu me desesperei.

Ela disse que espera, com seu depoimento, o surgimento de outras vítimas:

—Só lembro da voz dele. A todo tempo, ele falava baixinho no meu ouvido. Isso me incomodou bastante. Eu reclamei, após ele mandar o meu marido sair. Eu não sei se fui abusada, mas eu achei estranho a sedação e o fato de ele estar muito próximo da minha cabeça.

O mesmo aconteceu com outra mulher que também esteve ontem na Deam de São João de Meriti. Ela deu à luz há pouco mais de um mês no Heloneida Studart:

— Fiz uma cesárea, e, quando acabou o parto, ele (o anestesista) mandou que o meu marido saísse da sala. O Giovanni disse que me daria um sedativo para eu relaxar. Perguntei o motivo. Eu disse a ele que havia chegado ao hospital com uma gravidez de risco.

Ela lembra a resposta do médico:

—Ele disse que estava tudo bem, para eu ficar tranquila e relaxar. Quando ele aplicou a medicação, eu apaguei. Só lembro que, quando ele passou, estava limpando as mãos, não sei o movimento. É muito delicado dizer o que senti. A gente não entra na sala de cirurgia e pensa que vai ser abusada. A gente fica numa situação tão vulnerável, dependente dele. Não sei o que aconteceu comigo. O que me deixou preocupada foi a sedação, o apagão, por eu já ter passado por uma outra cesariana e não ter apagado. Só quero saber se ele fez algo comigo. Será que fui abusada?

Sobre as imagens em que Giovanni aparece colocando o pênis na boca de uma paciente na mesa de parto, ela se disse horrorizada:

— Não tem desculpas para o que ele fez.

Pelo menos 18 pessoas já prestaram depoimento sobre a atuação de Giovanni. A mulher que aparece no vídeo sendo abusada e o marido dela devem ir à delegacia nos próximos dias. Outras duas parturientes que tiveram bebês no domingo e foram sedadas pelo anestesista devem ser chamadas pela delegada Bárbara Lomba, titular da Deam de São João de Meriti. Segundo ela, tudo leva a crer, pelos relatos das testemunhas, que o médico também abusou dessas duas mulheres. Os três partos foram feitos na Heloneida Studart.