Título: É proibido ficar doente
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Fonte: Jornal do Brasil, 13/12/2005, Opinião, p. A12

A população que sofre na pele com o drama da crise nos hospitais públicos não está mais sozinha. Os problemas se estendem também à saúde privada, na qual a classe média buscou refúgio ao longo da última década. Como o Jornal do Brasil expôs ontem, em elucidativa reportagem de Cristiane Crelier, a população que se dispôs nos últimos anos a pagar (caro) por segurança está sendo virtualmente expulsa dos planos de saúde, cada vez mais avessos a coberturas abrangentes e custos elevados. Ou seja, fica terminantemente proibido adoecer, sob pena de encarecer um contrato coletivo ou vê-lo simplesmente cancelado pela empresa, a qualquer momento. Os motivos do desapego das empresas pelo consumidor são os mais diversos. Vão dos reajustes abaixo da inflação impostos pelas autoridades regulatórias até os crescentes custos operacionais (multiplicados pela desvalorização do real, a partir de 1999), passando pelas disputas judiciais envolvendo índices e abrangência de coberturas. O resultado é que grandes operadoras de seguro-saúde simplesmente deixaram o varejo do mercado, optando por oferecer apenas contratos coletivos. Pessoas físicas não interessam mais como clientes. Só as pessoas jurídicas, mesmo que com apenas um punhado de empregados.

Já seria grave o desinteresse pelo consumidor que está disposto a arcar com mensalidades que podem superar facilmente cinco salários mínimos, mas isso ainda não é tudo. Ao vender só planos empresariais, as operadoras aproveitam para driblar os limites da fiscalização da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão que regula o setor.

Um contrato coletivo pode ter reajustes superiores aos fixados pela agência. Basta que um dos segurados sofra de uma enfermidade grave, que exija procedimentos médicos onerosos, como cirurgias e longos períodos de internação. A conta das despesas é logo apresentada aos demais participantes do plano, que podem ser surpreendidos com reajustes de mais de 80% ou com um burocrático aviso de cancelamento, na hora de renovação.

O Ministério Público anunciou ontem, após a reportagem do JB, que vai investigar possíveis abusos cometidos pelas operadoras. É uma decisão positiva, mas outras medidas podem ser tomadas de imediato para evitar maiores danos à saúde da população. A ANS tem obrigação de intervir e cobrar explicações das empresas. Sua função é justamente garantir que a população tenha seus direitos assegurados. Se não lhe compete regular os planos coletivos, que suas atribuições sejam imediatamente revistas em instância superior - o governo federal pode e deve se movimentar para fortalecer o órgão regulador. Caso contrário, a agência corre o risco de acabar desmoralizada, diante das manobras de empresários muito mais interessados em lucrar do que em prestar serviços dignos e de qualidade.

É importante que empresas sérias não se misturem às que adotam estas práticas condenáveis e apenas visam empurrar seus clientes indesejáveis para a rede pública, na hora em que eles mais precisam de ajuda. Há que se encontrar um meio-termo entre as legítimas demandas do setor e os direitos dos cidadãos que pagam suas contas em dia e exigem, com toda razão, a contrapartida em serviços legalmente contratados.