Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Brasil, p. A3
Dívida bruta pode atingir 100% do PIB em 2030
Ana Conceição
Edna Simão
Mariana Ribeiro
Os gastos do governo com as medidas de combate à crise causada pelo coronavírus e a piora do quadro macroeconômico vão elevar a dívida bruta brasileira ao equivalente a 84,9% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano, segundo estimativa da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de acompanhamento das contas públicas ligado ao Senado. A projeção anterior, de novembro passado, apontava para 79,3%. Em 2019, após anos em alta, a relação dívida/PIB cedeu a 75,8%. O cenário base da instituição prevê que a dívida vai crescer continuamente até atingir a marca histórica de 100,2% do PIB em 2030.
Ontem, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, afirmou que a dívida bruta pode ultrapassar a marca de 85% do PIB neste ano e disse que o déficit primário está caminhando para R$ 600 bilhões, algo entre 7% e 8% do PIB. Há uma semana, ele tinha estimado R$ 500 bilhões.
Mansueto considerou exageradas as projeções que apontam a dívida em 100% do PIB. O essencial, disse, é o governo mostrar que conseguirá recolocar esse indicador em trajetória de queda. “Acho que, no pós-crise, se fizermos as reformas necessárias, rapidamente melhora a dinâmica da dívida”, afirmou.
O secretário apontou a dificuldade para fazer estimativas num momento em que o governo faz cálculos para, por exemplo, definir a meta de resultado primário para 2021. A maior preocupação, disse, refere-se ao comportamento das receitas, já que as despesas estarão dentro do teto de gastos. Para cumprir o prazo legal, o governo vai encaminhar hoje ao
Congresso Nacional a proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do próximo ano. “O número que vamos enviar é uma primeira tentativa. Só teremos um cenário mais claro quando sairmos desse período de ‘lockdown’ e ver como a economia vai reagir”, disse.
Ainda em relação a 2020, a IFI prevê que o déficit primário do governo central deve chegar a R$ 514,6 bilhões, ou 7% do PIB, um pouco menos que a estimativa de Mansueto. As medidas tomadas para mitigar a crise explicam R$ 282,2 bilhões do aumento de R$ 390,5 bilhões esperado. Desses R$ 282,2 bilhões, R$ 69,7 bilhões referem-se à redução de receitas (diferimento e redução de impostos) e R$ R$ 212,5 bilhões representam aumento de gastos, como a transferência de R$ 600 a trabalhadores informais, compensação de redução de salários, transferências a Estados e municípios, créditos extraordinários para a Saúde, entre outros.. O déficit primário também vai se alargar com a contração da economia, que vai reduzir a arrecadação. A instituição espera queda de 2,2% no PIB de 2020.
No conjunto de fatores que não afetam a projeção do resultado primário, mas têm impacto na dívida bruta, a IFI relaciona três principais: o programa de crédito a micro e pequenas empresas, com lastro no Tesouro Nacional, no valor de R$ 34 bilhões, ou 0,5% do PIB; a interrupção dos fluxos de pagamentos de juros sobre as dívidas dos
Estados, no valor inicial de R$ 19,8 bilhões, ou 0,3% do PIB e a venda de reservas internacionais, no total de US$ 49,8 bilhões, entre janeiro e dezembro de 2020, 3% do PIB.
Se antes a IFI esperava uma estabilização da dívida em 2024, agora isso deve acontecer após 2030, se houver uma melhora do resultado primário do governo por pelo menos mais três anos a partir daquele momento.
Na trajetória estimada em novembro passado pela instituição, a dívida bruta crescia até um pico de 80,7% do PIB em 2024, para então estabilizar-se e iniciar lenta trajetória de queda. Em 2030, chegaria a 75,5%. Agora, não há redução nesse horizonte de dez anos, embora a alta da dívida perca força ao longo do tempo, de 2,4 pontos do PIB entre 2020 e 2021, para 0,7 ponto entre 2029 e 2030.
Assim, uma eventual melhora nesse cenário base dependeria de um maior esforço fiscal e da esperada agenda de reformas. “Mesmo que se possa vislumbrar um horizonte de estabilização para o pós-2030, o quadro de alta ininterrupta da dívida bruta exigirá atenção redobrada”, diz a instituição em relatório.
A IFI ainda estima que o déficit nominal - resultado primário negativo mais o pagamento de juros - deve atingir 11,7% do PIB em 2020, de 5,91% em 2019, e diminuiria a 6,4% do PIB até 2030. Os riscos de curto prazo para esse cenário são de alta no déficit, diz a instituição. Isso porque ainda que o cenário-base contemple medidas adicionais de combate à crise no montante de R$ 60 bilhões em gastos primários, incluindo possíveis transferências para Estados e municípios, outras ações podem ser necessárias para debelar a covid-19. O risco para o PIB também é de baixa.
A IFI também calculou um cenário otimista, em que a dívida bruta estabiliza-se em 82,7% do PIB em 2023 e encerraria em 71,7% em 2030. Aqui, o déficit nominal passaria de 10,3% do PIB, em 2020, para 2,1% até 2030.
Em um cenário pessimista, a dívida bruta atingiria um patamar de 138,5% do PIB, de 88,5% em 2020, numa trajetória considerada insustentável pela IFI. O déficit nominal saltaria a 12,6% do PIB em dez anos.