O Globo, n. 32483, 14/07/2022. Brasil, p. 9

Ameaça de volta

Eduardo Gonçalves
Bruno Abbud


Balsas usadas pelo garimpo de ouro ilegal voltaram a atuar no Rio Madeira, no Amazonas, oito meses após uma megaoperação da Polícia Federal que destruiu e confiscou 130 embarcações desse tipo. A informação é do grupo ambientalista Greenpeace, que diz ter rastreado a presença de pelo menos 20 embarcações no rio. O Ministério Público Federal do Amazonas abriu um procedimento para investigar a denúncia.

O Greenpeace recebeu relatos de ribeirinhos e de pescadores denunciando que as embarcações de garimpeiros foram vistas em diferentes pontos dos municípios de Autazes e Nova Olinda do Norte.

A retomada da atividade desafia as autoridades. Em novembro, o Rio Madeira abrigou uma espécie de “cidade flutuante”, formada por mais de 300 balsas de garimpo enfileiradas no seu leito, na altura de Autazes. Diante da repercussão internacional das imagens do agrupamento de garimpeiros, a região foi alvo de uma ação conjunta da Polícia Federal e do Ibama.

Os agentes usaram lanchas e helicópteros para interceptar as dragas que navegavam pelo Madeira. Mas na ocasião, os garimpeiros já haviam avisado ao GLOBO que regressariam ao rio assim que a repercussão do caso diminuísse. E o prefeito de Borba (AM), Simão Peixoto, chegou a celebrar o fim da operação, em 30 de novembro, dizendo a um grupo de garimpeiros que “as balsas não serão mais queimadas”, depois de procurar a bancada do Amazonas no Congresso para tentar parar a fiscalização.

O retorno está relacionado à temporada de seca na Amazônia. Nesta época do ano, as balsas encontram mais facilidade para acessar os leitos dos rios, onde esperam que mais ouro esteja concentrado.

— Elas estão em processo de reorganização, espalhadas. Onde tem ouro, tem fofoca. É um processo natural nessa época do ano. Estamos tentando monitorar por imagens de satélite — disse Danicley de Aguiar, porta-voz de Amazônia do Greenpeace.

O procurador Henrique Lopes instaurou uma investigação sobre o retorno das balsas na terça-feira, “visando apurar  possível crime ambiental de competência federal”.

Vale do Javari

Outro local que voltou a registrar a presença de garimpos ilegais recentemente foi o Vale do Javari, no Oeste do Amazonas. A região, que concentra a maior comunidades de indígenas isolados do mundo, ficou em evidência mundial no mês passado, depois do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips. A Polícia Federal prendeu três pessoas pelo crime, e outros cinco são investigados por ajudarem a ocultar os cadáveres.

Bruno teria sido morto por combater a invasão da terra indígena por pescadores e garimpeiros, o que fez o caso ser levado para a Justiça Federal.

O GLOBO teve acesso a uma denúncia da atuação de garimpeiros no local protocolada na Polícia Federal em março pela União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), com quem Bruno trabalhava desde que pediu afastamento da Funai em 2019, após perder o cargo de coordenação na área de proteção aos povos isolados. A exoneração foi depois de Bruno participar de uma operação que destruiu balsas de garimpo que haviam invadido o Vale do Javari.

A Operação Korubo, como foi batizada, destruiu 60 balsas aos longos dos rios da região. Bruno integrou a força-tarefa da operação, que contou com agentes do Ibama e da PF. Com o conhecimento prévio da área, foi o indigenista quem planejou a ação e passou as coordenadas às equipes operacionais que saíram em campo atrás das dragas. De acordo com um servidor que participou da operação, Bruno já chegou com todos os pontos marcados no mapa em que havia balsas.

Integrantes do Ibama e da Univaja confirmaram, na condição de anonimato, que as informações entregues à PF em março foram levantadas sob a coordenação de Bruno.

Como O GLOBO revelou em junho, a última missão do indigenista tinha como um dos objetivos mapear a presença de garimpeiros ilegais em área indígena.

Amarildo da Costa de Oliveira, conhecido como Pelado, e Jeferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha, são os principais suspeitos de terem matado o indigenista e o jornalista. O irmão de Amarildo, Oseney, também está preso por participação nas mortes.

Na semana passada, a Polícia Federal prendeu em Tabatinga (AM) Rubens Villar Coelho, conhecido como Colômbia, denunciado por indígenas como possível mandante do crime.

Colômbia foi preso por usar documentos falsos, mas já era investigado por suspeita de fazer parte de um esquema de lavagem de dinheiro do tráfico por meio da pesca ilegal. A PF apura se ele teve envolvimento com o duplo homicídio.

Amarildo e Colômbia foram transferidos sábado para a superintendência da PF em Manaus. Jeferson e Oseney também devem ser transferidos. Eles são mantidos em Tabatinga.