Título: `Golpismo¿ como pretexto
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 13/12/2005, Outras Opiniões, p. A13

Vamos admitir que Delúbio Soares tenha dito a verdade quando afirmou, na Polícia Federal, ter retirado R$ 1 milhão do cofre do Partido dos Trabalhadores, para pagar parte da dívida com a Coteminas, por conta das camisetas de campanha. Vamos admitir que Delúbio possa ter guardado tal dinheiro dentro do cofre do partido, e operado com ele sem registrar nada em nenhum livro que servisse para uma contabilidade interna, mesmo que ''paralela''. Sim, porque segundo Paulo Ferreira, homem de confiança do esquema José Dirceu no Rio Grande do Sul, e atualmente responsável pelas finanças do PT, não havia registro de nada, quando a denúncia apareceu. Sua primeira reação foi desmentir que o PT tivesse pagado tal quantia à Coteminas. O que gerou reação indignada, com provas de quitação, do responsável pela empresa no impedimento do vice-presidente José Alencar, seu proprietário.

Se isso aconteceu, temos todo o direito de concluir que Delúbio Soares tinha prerrogativas inimagináveis para um simples dirigente burocrata. Como isso é pouco plausível, temos o direito de concluir que Delúbio Soares tinha procuração de alguém muito poderoso, para agir com autonomia total. Porque, se Delúbio mexeu nessa dinheirama para decidir sozinho a quem ela deveria ser entregue, Delúbio podia fazer o que quisesse com o que vinha do ''valerioduto'', e de outros atalhos pecaminosos ainda não revelados.

Como isso também não é plausível, natural imaginar que Delúbio, certo da impunidade, esteja chamando para si toda a responsabilidade do esquemão, visando proteger quem o comandava. E poderoso, na estrutura do Partido dos Trabalhadores, diante das mínimas alternativas possíveis, não é necessário ser muito esperto para determinar quem era.

Interessante é que no mesmo dia, talvez na mesma hora, em que Delúbio era ouvido na Polícia Federal, o presidente Luis Inácio, em Montevidéu, ressuscitava uma teoria esquecida, tal o que trazia de absurdo. Denunciava o comportamento ''golpista'' da oposição que, no Brasil, agia contra ele, nos termos semelhantes aos da Fedecamaras, federação do patronato da Venezuela, contra Chávez.

Para além da descabida comparação de personalidades - Lula se entregou às oligarquias que Chávez confronta -, não vamos excluir que os segmentos hegemônicos do grande capital brasileiro não dão a Lula a chave do paraíso. Não o aceitam como um dos seus. Daí, no entanto, pressupor que estejam almejando qualquer aventura golpista vai uma longa distância. Não por veleidades democráticas, que não têm, mas quem melhor do que Lula para manter inoperantes os movimentos sociais organizados contra os privilégios dos banqueiros, dos exportadores e do agronegócio? Se, por puro preconceito de classe, não é o ideal dos mundos com ele, pior sem ele.

Lula sabe disso. Por que então ele fala em ameaça golpista?

Só pode ser por conta do aperto que vai sentindo em torno de si, na medida em que não consegue brecar a dinâmica das investigações envolvendo os seus mais próximos - Dirceu, via Valdomiro Diniz, Marcelo Sereno e Silvio Landrover Pereira, seus sabidos operadores. Gushiken, sem explicar o privilégio de contas publicitárias ou as acusações fundistas de Pizzolato (cujo prestígio de outrora é conhecido pelo mais humilde sindicalista cutista). E, Palocci? O poderoso Palocci , escafedendo-se da CPI como só quem tem rabo para esconder o faz...

No meio de tanta balbúrdia, ainda vem a divulgação - através do amigo italiano Dalema - da opção por dupla cidadania da primeira dama, justificada com um ''caso seja necessário''.

É carga demais para as proximidades de um já próximo embate eleitoral. Evidentemente, mais fácil é fugir para frente, denunciando o golpismo. Golpismo, presidente, é o que o PT realiza contra Chico Alencar e Orlando Fantazini, tentando substituí-los por seus suplentes no Conselho de Ética da Câmara. Um deles, o deputado gaúcho Paulo Pimentel, é aquele varrido da CPI do mensalão, por ter sido flagrado em contatos suspeitos com Marcos Valério no escurinho de uma garagem do Congresso. O resto é conseqüência de suas opções.

P.S.: Cheguei a me animar com o noticiário sobre a ''virada à esquerda'' na reunião do diretório nacional do PT neste último fim de semana. A imprensa leu mal. A resolução só pede mais comedimento nas doses de ortodoxia. Mas importa pelo chamado ao diálogo com a oposição de esquerda.