Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Política, p. A6

Governo propõe alternativa a projeto de auxílio a Estados e municípios

Lu Aiko Otta
Fabio Murakawa
Matheus Schuch
Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro
Mariana Ribeiro


Um dia depois de derrotado na Câmara dos Deputados com a aprovação do substitutivo do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) para o projeto de lei complementar do Plano Mansueto, o governo apresentou ontem um plano alternativo de apoio aos Estados e municípios no valor de R$ 77,4 bilhões. Desses, R$ 40 bilhões serão recursos novos injetados nos caixas e os R$ 37,4 bilhões restantes, suspensão temporária do pagamento de dívidas com o Tesouro Nacional e com os bancos oficiais.

Somados às medidas já anunciadas, o apoio chega a R$ 127,3 bilhões. Ao longo do dia, porém, prosseguiu a queda de braço com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que acusou o governo de buscar um “conflito federativo”. "A nova proposta é de R$ 77,4 bilhões e supera, em termos conceituais, a proposta aprovada na Câmara", afirmou o secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues.

Na realidade, o plano já havia sido rejeitado pelos deputados na manhã de segunda-feira. “Essa proposta do governo não resolve”, afirmou ontem o presidente da Câmara, reforçando a posição da vésperas. Ele acrescentou que, no pacote, há apenas R$ 22 bilhões em recursos “novos”.

O texto de Pedro Paulo propõe o que Waldery chamou de “cheque em branco”. Isso porque cria um “seguro receita” que obrigaria o governo federal a complementar as receitas de Estados e municípios, de forma a manter os níveis de 2019.

O assessor para Relações Institucionais do Ministério da Economia, Esteves Colnago, disse que num cenário de perda de 100% das receitas, a conta do “seguro receita” chegaria a R$ 284 bilhões. Acrescentou que se trata de uma despesa que, em algum momento, a sociedade vai pagar, com mais tributos, mais dívida ou inflação.

Ele defendeu uma ajuda deve ter um valor fixo. Do contrário, segundo Colnago fica impossível planejar a ajuda a outros segmentos da economia, como as microempresas.

O governo aposta suas fichas no Senado, onde o texto aprovado pela Câmara pode ser alterado. Na visão do Ministério da Economia, o “seguro receita” poderia levar Estados e municípios a “descuidar” da arrecadação. Isso poderia ser feito, por exemplo, com programas de diferimento de impostos. Governadores e prefeitos poderiam adiar o recolhimento de tributos para após o período coberto pelo “seguro receita”. Dessa forma, “ganharia a receita duas vezes, com o seguro e depois com o imposto diferido que seria pago em momento seguinte”, explicou um técnico do ministério.

“Você está sinalizando que há prefeitos e governadores que são desonestos por princípio, e isso não é verdade”, rebateu Maia. O presidente da Câmara acrescentou que o governo está maquiando os números e vendendo como recursos novos dinheiro que já foi prometido aos Estados e municípios. Incluindo o dinheiro da suspensão das dívidas, uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).

A equipe econômica apresentou cálculos para mostrar que o “seguro receita” concentraria o dinheiro nos Estados e nas cidades mais ricas. Os cinco maiores Estados do Brasil (São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná) ficarão com quase 60% do valor do seguro. Como contraponto, o governo oferece os R$ 40 bilhões de transferência direta de recurso, dos quais pelo menos 80% seriam distribuídos conforme a população.

“A gente precisa garantir recursos para saúde de Estados e municípios, não compensar por perdas econômicas”, afirmou o secretário executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys.

Maia avalia que as regras de divisão dos recursos que o governo está propondo vão criar um conflito entre os Estados porque a divisão per capita beneficiará apenas quatro governadores e prejudicará os demais. “O que o governo quer fazer, do meu ponto de vista, é criar um conflito político federativo que deveria ser deixado para outro momento. As eleições nacionais acontecerão em 2022, é lá que deveremos fazer a disputa política”, disse Maia à imprensa.

Além do “cheque em branco”, o governo federal aponta um problema de redação no texto aprovado pela Câmara. “O texto visa a impedir que união execute as garantias”, disse Colnago. “Mas, na prática, União poderá executar as contragarantias e o BB, as garantias.”

Em tom mais conciliador, o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, disse esperar um acordo. “Temos que ter maturidade para todos sentarem à mesa e terem uma discussão transparente, falar as alternativas.” (Colaborou Edna Simão)