Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Política, p. A8

Mourão diz que ministro ‘cruzou a linha da bola’, mas descarta demissão

Cristiane Agostine
Malu Delgado


O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, defendeu ontem a permanência do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no cargo, mas enfatizou que ele “cruzou a linha da bola”. A expressão, explicou o vice-presidente, é usada no jogo de polo em caso de uma falta grave. “[Mandetta] Não precisava ter dito determinadas coisas”, disse. “Dá um cartão aí.”

Mourão se referiu à entrevista concedida por Mandetta ao “Fantástico”, da TV Globo, no domingo, em que ele pediu um discurso único do governo federal e criticou a dubiedade de ação, uma vez que o ministro diz uma coisa e o presidente fala outra sobre o isolamento social. “Cruzar a linha da bola é uma falta grave no polo. Nenhum cavaleiro pode cruzar na frente da linha da bola”, disse o vice, em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, transmitida pela internet.

O vice-presidente, no entanto, afirmou que não é a hora de trocar o ministro da Saúde. “É uma decisão do presidente [tirar um ministro]. Eles ficam até que perdem a confiança do presidente. Existe muito tititi, mas julgo que o presidente não deve mudar ministro nesse momento”, disse. “Cabe mais uma conversa ali, chamá-lo e dizer para eles acertarem passada, para que as coisas sejam discutidas intramuros e não via imprensa.”

Mourão voltou a justificar o comportamento de Bolsonaro, que tem descumprido as orientações médicas de isolamento social para evitar a disseminação descontrolada do vírus, o que pode colapsar o sistema de saúde. “A preocupação maior do presidente é com quem vive na informalidade”, afirmou, dizendo em seguida que o presidente viveu grande parte da vida no subúrbio, “onde a atividade informal é algo normal”.

O vice-presidente defendeu também que o governo federal apresente protocolos claros para a retomada econômica, “a partir do momento em que passarmos o pico” dos casos de covid-19. Na entrevista que concedeu domingo, Mandetta disse que os piores meses da doença para o Brasil serão maio e junho. “Temos que estar preparados para o day after”, afirmou. “Advogo um isolamento que seja inteligente. Mas para isso, precisamos melhorar nossa capacidade de testagem”, disse.

Mourão, que já teve seus conflitos e desgastes com Bolsonaro, adotou um discurso moderado e enfatizou que fazer críticas públicas ao presidente é deslealdade.

O vice defendeu que o governo “gaste, invista e se endivide mais” para combater a pandemia e enfatizou que será importante investir em obras para tentar retomar a atividade econômica com velocidade mais intensa.

Na entrevista, Mourão disse que Bolsonaro não é tutelado pelos militares, e reiterou que há uma forte preocupação das Forças Armadas de se descolarem do governo, para evitar o desgaste político.

Questionado sobre a intenção de Bolsonaro disputar a reeleição em 2022, apesar do forte desgaste político no enfrentamento da pandemia,

Mourão desconversou e disse que “muita água ainda vai rolar debaixo da ponte”. O vice, no entanto, afirmou ter disposição para manter-se como vice. “Se ele me quiser para acompanhá-lo, vou acompanhar. Se não quiser, estará a hora de pendurar as chuteiras e cuidar dos netos.”

O vice-presidente evitou defender o uso de hidroxicloroquina e de cloroquina no combate à covid-19, apesar da propaganda feita por Bolsonaro sobre os medicamentos. Mourão afirmou que ainda não existem estudos consistentes sobre a eficácia dos remédios.

Na entrevista, Mourão disse ainda que o governo federal não deve usar recursos dos fundos eleitoral e partidário para ações de combate à covid-19 no país. Mourão afirmou que os recursos “não resolverão os problemas” e defendeu o uso nas eleições municipais deste ano. Para o vice-presidente, a disputa eleitoral não deve ser adiada para 2021.

“Vamos deixar os fundos de lado. A eleição vai ter que ocorrer neste ano.

A realidade é que a eleição de prefeito tem que andar”, disse. Segundo Mourão, o debate sobre o uso dos recursos dos dois fundos “está politizada”. “São recursos que no frigir dos ovos vão resolver parcela do problema, mas não o problema.”