O Globo, n. 32485, 16/07/2022. Política, p. 6
Polícia não vê crime político em assassinato de petista
Alini Ribeiro
Victoria Abel
Lucas Mathias
Bianca Gomes
A Polícia Civil do Paraná concluiu que o homicídio do guarda municipal Marcelo Arruda, tesoureiro do PT em Foz do Iguaçu, por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro não pode ser considerado crime de ódio, por motivação política. O desfecho do inquérito foi contestado por juristas, pela defesa da família de Arruda e por dirigentes petistas. Agora o Ministério Público do Paraná analisará o caso para decidir sobre o oferecimento da denúncia à Justiça. O órgão tem a prerrogativa de pedir complementos da investigação e pode, inclusive, denunciar o autor dos disparos por outro tipo de crime, divergindo da polícia.
O policial penal Jorge Guaranho será indiciado por homicídio duplamente qualificado — por motivo torpe e por causar perigo comum a terceiros. Ele está internado em estado grave e teve a prisão preventiva decretada. Em entrevista coletiva, a Polícia Civil defendeu a tese de que o policial penal foi até a festa de 50 anos de Arruda, que tinha como tema o PT, para provocar a vítima, e que houve uma discussão em razão de divergências políticas. Mas que não há provas de que, quando Guaranho retornou ao local armado, ele queria cometer um crime de ódio.
— O que temos é a alegação da mulher dele dizendo que ele voltaria porque disse ter sido humilhado. Então é difícil falar que ele matou por um crime de ódio, pelo fato de a vítima ser petista. Ele voltou pela escalada da discussão entre os dois — afirmou a delegada chefe da Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, Camila Cecconello, justificando a conclusão sobre o sentimento de humilhação pelo depoimento da mulher de Guaranho.
Peso simbólico
Para o jurista Gustavo Sampaio, professor do Departamento de Direito Público da Universidade Federal Fluminense (UFF), o entendimento da delegada foi equivocado:
— O crime iniciou com motivação política e terminou com motivação política. Ele (Guaranho) volta cerca de 20 minutos depois. Teve todo o tempo para pensar no que ia fazer. Pode ter havido um acirramento das tensões em um primeiro momento, mas ele não reagiu naquela hora. A tipificação como crime de ódio não causaria um aumento da pena, por não estar prevista no Código Penal, embora seja importante, segundo o jurista, do ponto de vista simbólico. Para Sampaio, não se trata de um crime político, ou seja, contra o estado democrático de direito, mas sim um crime de ódio com motivação política. A conclusão do inquérito também é contestada pelo advogado criminalista e professor de Direito Welington Arruda, do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP):
— A discussão se deu a partir de uma questão política. O policial penal federal saiu do local onde estava para invadir uma festa com decoração do PT. Não haveria crime se a festa fosse de qualquer outro tema, pois ele não teria sequer saído de onde estava. Segundo as investigações, o agente penal estava num churrasco, ingerindo bebidas alcoólicas, quando soube da festa do petista. Uma testemunha presente no churrasco tinha acesso às câmeras de segurança do clube onde estava Arruda, e as imagens foram vistas pelo autor dos disparos. Ainda de acordo com a polícia, Guaranho perguntou onde estava acontecendo a festa e se dirigiu até lá com a mulher e um bebê. Segundo testemunhas, ele chegou ouvindo uma música de apoio a Bolsonaro. Arruda então saiu da festa e ambos iniciaram uma discussão política.
Neste momento, Arruda pegou um punhado de terra e jogou contra o carro. O agente penal sacou a arma e apontou para a vítima. Quando sua mulher começou a chorar, ele deixou o local e foi para sua casa, mas retornou. Delegada de Homicídios de Foz do Iguaçu, Iane Cardoso informou que um inquérito também foi aberto para apurar as agressões que Guaranho sofreu após atirar contra Arruda. Três pessoas são investigadas.
Lacunas apontadas
O presidente estadual do PT no Paraná, Arilson Chiorato, considerou a conclusão prematura. O prazo do inquérito era de dez dias e terminava na próxima terça-feira.
— Houve ausência do recolhimento dos celulares, para fazer análise se o assassino se comunicou com alguém da hora que ele saiu a primeira vez e voltou, ou se comunicou antes — afirmou Chiorato. O advogado Ian Martin Vargas, que atua na defesa da família de Arruda, reafirmou à colunista Bela Megale que o motivo do crime foi intolerância política. O criminalista também viu pressa no desfecho da investigação. A presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, foi na mesma linha. Já bolsonaristas cobraram nas redes retratação de quem afirmou que o crime teve motivação ideológica.
Moraes e Bolsonaro
O ministro Alexandre de Moraes, que está na presidência interina do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou que o presidente Jair Bolsonaro se manifeste em dois dias a respeito do pedido feito pela oposição para que o mandatário seja proibido de proferir qualquer tipo de discurso de ódio ou incitação à violência. Moraes também pediu a posição do Ministério Público Eleitoral. No Twitter, o presidente ironizou o ministro. Ele reproduziu a notícia e escreveu: “Manifesto que sou contra” (discurso de ódio).