Valor Econômico, v. 20,
n. 4981, 15/04/2020. Empresas, p. B2
Petrobras manterá
pesquisa em renováveis
André Ramalho
A crise econômica mundial desencadeada pela pandemia do novo coronavirus e a
baixa dos preços do petróleo levantam dúvidas sobre até que ponto as grandes
petroleiras conseguirão sustentar a aposta nas energias limpas. De saída dos
ativos de biocombustíveis e eólicas em terra e sem grandes investimentos
em renováveis à vista, a Petrobras manterá a estratégia de entrar
gradualmente no segmento e de focar, numa primeira fase, em pesquisa e
desenvolvimento na área. Com seu plano de investimentos sob revisão, a estatal
informou, contudo, que preservará US$ 100 milhões/ano previstos para
descarbonização e os US$ 70 milhões/ano dedicados à P&D em renováveis
e corte de emissões.
O orçamento total da
Petrobras nessas duas áreas - renováveis e descarbonização - até 2024 soma US$
850 milhões, o equivalente a 1% de seu plano de negócios. O gerente-executivo
de estratégia da companhia, Rafael Santos, conta que o objetivo, num primeiro
momento, é “ganhar competências” para, só então, aumentar sua presença
em energias limpas. O timing da volta da empresa às renováveis dependerá
do quão rápido será a conquista dessa expertise e também da recuperação da
capacidade financeira da estatal.
“Uma vez que estivermos
confortáveis de que a Petrobras é a melhor empresa para prestar um determinado
serviço [de energias limpas] e sobre para onde está indo a transição
energética, vamos eventualmente aumentar nossa exposição, investimentos e
ambições em renováveis”, afirma.
Ele explica que a
decisão de pisar no acelerador rumo às renováveis está associada à
evolução da saúde financeira da estatal. A diretora financeira, Andrea de
Almeida, chegou a afirmar em fevereiro, antes da crise, que a Petrobras estava
a pelo menos dois anos de distância de dar um impulso significativo em direção
às renováveis. De lá para cá, porém, muita coisa mudou: o preço do petróleo
caiu e a alavancagem da empresa subiu.
“Daqui a dois anos,
enxergamos a companhia com uma dívida menor, mais resiliente, então é um
horizonte que faz sentido [aumentar investimentos em energias limpas]. Mas isso
vai depender de muita coisa, se teremos geração de caixa boa, se teremos
conforto para expandir nossa atuação”, explica Santos. Ele afirma que ainda é
difícil avaliar a perenidade do choque do petróleo e seus efeitos sobre a
transição energética.
A carteira de P&D da
petroleira em renováveis inclui uma planta de energia solar em Campos dos
Goytacazes (RJ). Outro grande trunfo está no desenvolvimento do diesel
renovável - tecnologia patenteada pela empresa que permite produzir o
derivado a partir do coprocessamento de petróleo com óleos vegetais nas
refinarias. A estatal quer que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) enquadre o
produto como renovável.
Mesmo apostando nas
renováveis, Santos destaca que a companhia continuará concentrada em óleo e
gás. Segundo ele, o momento de transição energética abre oportunidades em
energias limpas, mas por outro lado pressiona as petroleiras a serem cada vez
mais eficientes, já que a demanda por óleo tende a entrar em declínio a partir
das próximas décadas.
“Queremos ser o barril
mais barato”, disse. “Num mundo em transição energética, se formos uma empresa
com o custo de produção mais barato e emissão de carbono mais eficiente, vamos
ter um espaço no mercado. O primeiro produtor a ser deslocado é o irresponsável
[ambientalmente] e ineficiente”, completou.
Do ponto dos
compromissos ambientais, ele cita que a companhia tem dez metas de
descarbonização e sustentabilidade, dentre as quais o “crescimento zero” das
emissões operacionais até 2025 e o aproveitamento de 100% do gás extraído pela
companhia, evitando-se as queimas nas plataformas. De acordo com Santos, o
cenário atual lança incertezas sobre a velocidade da transição energética,
mas não há dúvidas de que ela ocorrerá. “Se tiver uma tecnologia limpa
economicamente viável em larga escala [para substituir o petróleo], não há
dúvida de que ela vai tomar conta. Mas ela ainda não existe”, pondera.
Questionado se a estatal
não teme ficar para trás na conquista do mercado de renováveis, diante de
investimentos mais representativos de seus pares globais, Santos respondeu que
“não existe uma receita de bolo” sobre o caminho a ser tomado pelas petroleiras.
A estratégia de cada uma depende das “oportunidades de portfólio” que elas têm
em mãos. E que hoje a estatal tem ativos mais rentáveis no pré-sal onde
investir.
Nos últimos anos,
grandes petroleiras europeias, como BP, Equinor, Shell e Total, passaram a dar
mais atenção às renováveis, pressionadas por acionistas e a sociedade de uma
forma geral pela redução das emissões. Com o choque do petróleo, no entanto,
existe hoje uma vis
sobre as perspectivas de
investimentos dessas empresas em energias limpas: se por um lado o caixa mais
apertado deve levar a cortes de orçamentos, por outro lado o petróleo mais
barato deve derrubar as taxas de retorno de projetos de óleo e gás, equiparando-os,
em alguns casos, a projetos de renováveis - que têm riscos baixos e receitas
estáveis.
“Em um ambiente de
petróleo a US$ 60 o barril, a maioria das empresas estava gerando forte fluxo
de caixa e podia se dar ao luxo de pensar em estratégias de mitigação de
carbono. Mas, agora, o setor lutará para gerar caixa suficiente para manter as
operações e honrar compromissos com acionistas. Todos os gastos discricionários
estão sob revisão - incluindo o orçamento para descarbonização”, cita a
Wood Mackenzie, em relatório.
Por outro lado, com o
barril mais barato, as renováveis podem se tornar mais atrativas dentro do
portfólio das petroleiras. Se num ambiente de petróleo a US$ 60 as taxas de
retorno de projetos de solar e eólicas (de 5% a 10%) dificilmente
competiam com as taxas de “dois dígitos” dos projetos petrolíferos, com o
petróleo a US$ 35 o jogo está mais pareado. A Wood Mackenzie acredita que a
transição energética “chegou para ficar” e que as grandes petroleiras europeias
honrarão seus compromissos de descarbonização. A consultoria, porém, relativiza
o papel das petroleiras na sustentação da transição energética. Isso
porque elas respondem por 2% da capacidade eólica e solar no mundo.
Historicamente, a cotação da commodity não tem muita correlação com os investimentos
em renováveis.
O ritmo da expansão das
energias limpas, por outro lado, pode desacelerar. A Rystad Energy prevê
que a contração econômica deve demandar menos energia e que as renováveis não
passarão incólumes. Com a desvalorização cambial dos países emergentes, a consultoria
cita que projetos em países como o Brasil serão especialmente impactados, já
que alta do dólar elevará os preços de aquisição de equipamentos. A Rystad
também destaca que a crise pode fortalecer o carvão, cujos custos de produção
estão em baixa. “Em um mundo pós-pandemia, o carvão, apesar de ter muitos
problemas, é considerado uma fonte de energia barata e confiável para
reconstruir a economia”, alega a consultoria.
A presidente do Conselho
Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Marina
Grossi, diz que é preciso que as empresas não percam o horizonte de longo prazo
em suas estratégias de descarbonização. “Discutir o pós-coronavírus é importante,
nossa agenda não é de curto prazo. Os compromissos de redução de emissões
estão assumidos, não acredito que as empresas voltarão atrás. O timing
pode mudar, mas não a rota”, comenta.