Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Finanças, p. C2

Investidor busca retorno em juros de longo prazo
Victor Rezende
Lucas Hirata


Depois do pânico que tomou os mercados financeiros em março, os investidores começam a olhar com mais calma possíveis aplicações que foram “infladas de prêmio” nas últimas semanas. Esse é o caso dos juros de longo prazo, que passam a atrair o interesse de gestores diante de preços baixos e rendimentos elevados após a disparada das taxas no mês passado.

Essas operações também são beneficiadas pela perspectiva de que o Banco Central poderá comprar títulos públicos e aliviar a pressão nessas taxas. Ainda assim, ninguém abre mão de muita cautela com riscos fiscais que se acumulam no horizonte.

O diretor de investimentos da Western Asset, Paulo Clini, vê oportunidades nos títulos públicos atrelados à inflação, as NTN-Bs, de longo prazo. “A parte longa da curva de juro real nos parece interessante, já que as taxas subiram muito com a crise”, explica o executivo.

O retorno de uma NTN-B para 2050 está na casa de 4,5%, por exemplo, bem acima da taxa de juros real de equilíbrio - calculada hoje entre 1% e 2%. “Temos tido um debate sobre qual é a provável consequência dessa crise no longo prazo e talvez tenhamos uma mudança no padrão de consumo. Se a poupança for maior, o impacto nos juros de longo prazo tende a ser baixista”, afirma Clini.

No entanto, ele prefere taxas de curto prazo no momento e pondera que é natural ver o questionamento dos investidores quanto às medidas fiscais. Assim, por mais que os juros longos sejam atrativos, especialmente, para o investidor estrangeiro, Clini nota que, no âmbito internacional, os emergentes são considerados o “elo fraco” da crise diante da menor capacidade de reação.

Já a Franklin Templeton mantém posição aplicada em juros reais de longo prazo, mais especificamente nas NTN-Bs com vencimentos em 2035 e 2050, casada com uma posição comprada em juros futuros. “O racional por trás dessa posição é que o preço atual da NTN-B embute uma inflação anual muito baixa e, apesar de concordarmos que a inflação será muito baixa no curto e no médio prazo, não acreditamos que essa percepção deveria se perpetuar para prazos tão longos”, afirma Renato Pascon, gestor de renda fixa e multimercados na Franklin.

Ele nota que, no mercado de juros futuros, os investidores parecem focados em possíveis novos cortes na Selic. No entanto, o gestor aponta que “a leniência com o colapso fiscal não vai durar”. Pascon argumenta que o cenário deve ser avaliado com atenção diante dos gastos extraordinários do governo e da queda de arrecadação devido ao isolamento social, que “podem acabar consumindo em dois anos toda a economia que a reforma da Previdência faria em dez”.

Os estrategistas do Barclays adotam visão semelhante. Eles recomendam posições aplicadas nos vértices curtos da curva, em especial no DI para janeiro de 2021 - em uma aposta na queda da taxa.

Com as contas públicas no centro das atenções dos agentes, os movimentos do Congresso têm sido acompanhados de perto pelos agentes. O “Orçamento de Guerra”, em análise no Senado, contempla a possibilidade de o BC comprar títulos públicos no mercado secundário e achatar a curva de juros, ou seja, diminuir a diferença entre as taxas de longo e as de curto prazo. À medida que a política monetária convencional atinge seu limite, os analistas do Morgan Stanley acreditam que o BC deve concentrar seus esforços em influenciar taxas mais longas, seja com a introdução de um programa de compras diretas ou uma orientação mais explícita sobre a intenção de manter juros baixos por mais tempo

“Assim como mostra a história, compras diretas devem ajudar a achatar a curva, mas a possível introdução de um ‘forward guidance’ explícito deve favorecer o miolo da curva em meio a preocupações fiscais crescentes”, dizem os analistas do Morgan Stanley em relatório. Para eles, os preços continuam atrativos, mas o trecho entre janeiro de 2023 e janeiro de 2025 é o mais barato, acrescentam.

A aprovação do pacote de ajuda a Estados e municípios na Câmara dos Deputados na noite de segunda-feira gerou algum ruído no mercado no início da sessão de ontem. Ainda assim, os juros longos fecharam em baixa, tendo em vista que a questão já estava precificada nos mercados em alguma medida. O DI para janeiro de 2027, por exemplo, recuou de 7,45% para 7,18%.

“A aprovação não foi a melhor decisão, mas, dadas as opções sobre a mesa, não foi a pior. O que foi aprovado na segunda-feira não ataca o que o BC tinha colocado para afrouxamento adicional da política, dado que o auxílio está limitado a seis meses. Obviamente não temos folga fiscal, mas a cifra poderia ser pior”, diz o gestor de renda fixa da Occam Brasil, Pedro Dreux.

Com cada vez mais informações sobre a evolução da crise, a convicção de que o processo é desinflacionário se torna mais forte. Dreux comenta que a Occam aumentou as posições aplicadas na curva de juros, em especial nos trechos de curto prazo, diante da convicção de que a Selic deve testar novas mínimas históricas. “Tínhamos muita coisa via opções, mas, conforme o mercado começou a perder volatilidade, a sensação é a de que o sofrimento vai ser mais arrastado e sem aquela agudização que vimos em março. Estamos aplicados em DI, mas muito restritos à parte curta.”