Título: Imprensa e tirania
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 14/12/2005, Opinião, p. A6

O atentado que matou o jornalista libanês Gibran Tueni, editor do principal jornal do país, traz em si uma afronta óbvia à liberdade de expressão. É desses incidentes que deixam indignados todos os que sabem ser uma imprensa livre um dos aspectos que diferem uma nação onde as lideranças se estabelecem democraticamente daquela onde a tirania é senhora. Para dizer o mínimo. Mas, se lembrarmos que os jornalistas libaneses têm sido historicamente algumas das vozes menos cerceadas no Oriente Médio, a tragédia do deputado contrário à influência da Síria no país toma contornos ainda mais complexos. E, a ser investigada como exige a gravidade da situação, pode vir a ser importante componente na solução da trama que matou, em fevereiro, o ex-primeiro-ministro libanês Rafik Hariri - outra voz anti-Síria, também vítima de atentado. Horas depois do ataque de segunda-feira, o chefe da investigação iniciada pela ONU sobre a morte de Hariri, Detlev Mehlis, entregou um relatório do caso aos superiores. Não surpreendeu. O documento trouxe ainda mais elementos que levam a crer na participação de agentes dos serviços de inteligência da Síria e do próprio Líbano no crime. Tueni era uma das centenas de testemunhas ouvidas durante o longo processo. Calou-se o jornalista. Calou-se um cidadão que sabia demais sobre a aparentemente incontrolável conspiração instalada em seu país. Só esse ano foram pelo menos 14 explosões, que resultaram em 30 mortes, sinal claro de um esforço para eliminar as lideranças políticas de oposição à presença da Síria. Imediatamente após a morte de Tueni, as autoridades sírias se apressaram em negar qualquer envolvimento no incidente, estratégia adotada quase antes de alguém se atrever a acusar publicamente. E um desconhecido grupo terrorista já apareceu como tendo sido o responsável - no melhor estilo ''os suspeitos de sempre'', como diria o corrupto capitão Renault do eterno Casablanca. Aparecem, portanto, esses assassinos de ocasião para confundir ainda mais os espectadores dessa conspiração. Em torno da confusão, movimentam-se políticos libaneses anti-Síria a inflamar as multidões com slogans emocionados num país de luto e a tentar conseguir a instalação de um tribunal internacional para cuidar do caso de Hariri. Uma estrutura parecida com a montada para investigar as atrocidades cometidas, por exemplo, pelos generais durante o conflito separatista da extinta Iugoslávia na década de 90. Por enquanto de longe, o presidente George Bush tem preferido uma guerra retórica. ''Este crime teve o objetivo de subjugar o Líbano à dominação da Síria'', interpretou, ontem, de casa, com base na velha diplomacia, recurso que ele diz usar sempre até o ''último instante''. De Washington também ontem veio o ainda ''pedido'' para que o Conselho de Segurança da ONU aumente a pressão sobre a Síria. É, naturalmente, passível de discussão a determinação com que os EUA sentem ter para interferir em conflitos ao redor do planeta. Mas, no caso específico da Síria, faz sentido. Paira sobre o país a suspeita de que é a fronteira com o Iraque uma importante porta de entrada de armas para os insurgentes do país do ex-ditador Saddam Hussein. Mas é preciso se observar que há sinais de uma possível divergência entre as autoridades sírias, o que, em si, pode ser boa notícia. A possibilidade de haver na própria Síria quem se oponha à pressão no Líbano abre um precedente precioso para derrotar os que defendem a presença - oficial ou terrorista - no país. Informação que vale ouro para generais ocidentais numa possível interferência um tanto menos retórica e diplomática. É de um conflito importante no Oriente Médio que se fala aqui, e o desequilíbrio na região interessa e afeta todo o planeta. Aí incluído o Brasil, nação onde vive a maior diáspora libanesa e uma das mais importantes comunidades sírias fora daquele país.