Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Empresas, p. B3

Heliópolis atua em rede para garantir cesta básica

Malu Delgado


“Estamos aqui vivendo dia após dia. Temos pouca perspectiva de futuro. Mas acredito muito na solidariedade e acho que isso veio para nos melhorar, para nos preocuparmos uns com os outros. Se contaminar um aqui, vai virar um negócio sem controle”, define a educadora popular Antonia Cleide Alves, 56 anos, presidente da União de

Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região (Unas). Entre ruas estreitas, vielas, em milhares de casinhas lotadas de gente e barracões amontoados, uma população de 220 mil pessoas, vulnerável e de baixa renda, assiste ao avanço da pandemia de covid-19 na periferia de São Paulo.

Essa população luta contra o tempo e conta com o auxílio de pessoas como Cleide e uma rede de solidariedade para minimizar o impacto da doença na favela.

Os profissionais da Unas e cerca 400 voluntários percorrem Heliópolis com carros de som, tentam fixar cartazes e mandam mensagens de WhatsApp para alertar sobre a gravidade da doença e estimular o isolamento social. Atuam também na distribuição de alimentos e material de limpeza, enquanto o desespero toma conta da população local. Uma missão difícil diante da constatação de que 68% dos moradores da região já sentem os efeitos de perda da renda e 65% estão sem trabalhar e sem estudar.

A pesquisa, conduzida pelo projeto “De olho na quebrada”, com apoio da Open Society Foundation, foi feita por meio do envio de formulários, pelo WhatsApp, a uma rede de cadastrados na Unas. “A gente percebeu que 19% da região não têm nenhuma renda. Sempre acreditamos nessa faixa de 20% de desempregados, e a pesquisa confirma. Aqui todo mundo se vira nos 30, são comerciantes, pipoqueiros, diaristas, cabeleireiros, vendedor de roupa, ambulantes. Muitos vivem fazendo bicos”, explica a presidente da Unas.

A associação de moradores apela para uma rede de contatos, pessoas jurídicas e físicas, para aplacar o sofrimento. Algumas iniciativas, rápidas, têm dado resultados, mas a gravidade da situação faz com que Cleide não pare de acionar parceiros em busca de alimentos, material de higiene, assistência para crianças e idosos que estão em casa, muitos já passando fome.

“Vamos entrar na terceira semana de isolamento. Agora vai ser a hora de faltar gás. O gás que compraram está terminando. Já está faltando alimentos na casa das pessoas. Elas estão com medo, com pavor. As escolas, os projetos de assistência social estão fechados, ou a Secretaria de Assistência Social vai tocando, com poucas pessoas. Precisamos tentar articular todos os parceiros possíveis, porque vai faltar comida, e sem comida, vai baixar a imunidade”, diz Cleide, que vive na região desde 1971.

A ação emergencial promovida pela Unas pretende entregar 10 mil cestas básicas para os cadastrados da associação. Com doações de empresas, já conseguiram 2.600 cestas e outras 2.000 devem ser entregues nesta semana. Mas ainda estão longe de atingir a meta. As cestas são montadas para durar 20 dias e consideram uma família de quatro pessoas, em média. Além de alimentos e material de higiene, entregam um livro, uma caixa de lápis de cor e revistinha de colorir. Cada cesta básica custa R$ 150.

“Muita criança aqui de Heliópolis só se alimentava na Unas. Essas cestas são para minimizar a fome até o governo tomar uma decisão efetiva sobre o pagamento dessa renda mínima, renda cidadã, qualquer coisa que seja. Ainda bem que a solidariedade tem sido muito grande, de muita gente, e estamos indo de casa em casa entregar tudo o que aparece aqui”, diz Cleide. Entre empresas que estão apoiando iniciativas em Heliópolis e da Unas, ela cita, entre outras, Unilever, Ambev, Coca-Cola, Ipê. Se conseguirem 10 mil cestas ou mais, calcula Cleide, pelo menos 40 mil pessoas serão impactadas.

Outra iniciativa é a doação de recursos dos bancos Itaú, Santander e Bradesco, para pagamento a 64 costureiras, que vão fazer máscaras de proteção. “Vamos botar todo mundo de máscaras aqui. Elas vão costurar e vai ficar para a comunidade”, diz.

Há, também, uma enorme preocupação da Unas com os idosos da favela. “Só aqui em Heliópolis temos 10.021 idosos, muitos deles acamados. Tinha um programa de entrega de leite. A Secretaria de Agricultura precisava criar um mecanismo para esse leite chegar até essas pessoas, dar um tíquete para comprar, usar leite em pó, pensar em outras saídas. Isso é outra coisa que está pegando agora. A gente percebe que a máquina pública até tem boa vontade, mas aqui a necessidade é imensa”, diz.

Empresas e pessoas interessadas em doar podem fazer depósitos ou entrega de produtos - cestas básicas, kits de higiene e brinquedos. As entregas podem ser feitas das 10h às 16h na sede da Unas - Rua Da Mina, 38. Doações podem ser depositadas na Caixa Econômica Federal, agência 3124, conta: 376-7, CNPJ: 38.883.732/000.1-40 (Unas - União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região).