Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Finanças, p. C1

Tesouro poderá dar crédito ao varejo

Talita Moreira
Flávia Furlan 


O Ministério da Economia discute um modelo para socorrer pequenos varejistas, um segmento numeroso e dos mais afetados pela crise do coronavírus. A proposta, que está sendo estruturada em parceria com o setor privado, contempla empréstimos com recursos do Tesouro Nacional a lojistas que faturam até R$ 30 mil por mês, afirmaram ao Valor fontes com conhecimento do assunto.

Ainda não está claro qual o tamanho que essa linha poderá ter, mas fontes do setor de pagamentos estimam que haveria demanda para algo entre R$ 100 bilhões e R$ 200 bilhões.

Nesse modelo, as operações de crédito serão garantidas pelos recebíveis

de cartões desses lojistas, o que significa que os aportes do Tesouro não serão a fundo perdido. Ainda não está definido como os recursos públicos chegarão aos lojistas. Entre as possibilidades, estão canais de bancos, fintechs e credenciadoras, que poderiam distribuir o dinheiro por meio das maquininhas.

O desenho avançou nos últimos dias e, de acordo com um interlocutor, está prestes a ser apresentado ao ministro da Economia, Paulo Guedes. No entanto, o Valor apurou que há resistências da Caixa e, principalmente, do Banco do Brasil, que consideram a operação complexa e veem riscos em uma possível distribuição do dinheiro via credenciadoras.

Caso vá adiante, o plano prevê que o Tesouro faça os desembolsos e os recebíveis de cartões sejam certificados em uma central registradora. A União terá prioridade no acesso a esses ativos, que são habitualmente oferecidos pelos lojistas como garantia em operações de crédito.

Passado um período de carência, a ser ainda estipulado, o Tesouro receberá o valor correspondente às parcelas e o restante do fluxo de recebíveis irá para uma conta do varejista. No caso de quebra das empresas, o prejuízo ficará com o setor público.

Outra questão em aberto é qual será o veículo usado pelo Tesouro para fazer as operações. Um fundo de direitos creditórios (Fidc) ou alguma estrutura de bancos públicos são possibilidades.

A proposta faz parte das discussões entre o governo e o setor privado para estabelecer medidas específicas para as cadeias consideradas mais vulneráveis à crise. Além do varejo, há propostas em estudo para as companhias de energia, para o setor automotivo e para as empresas aéreas, envolvendo o BNDES.

Logo no início da crise, a credenciadora Stone levou ao governo uma proposta para que as empresas de maquininhas distribuíssem recursos do Tesouro para micro, pequenas e médias empresas.

O uso de recebíveis de cartões para garantir operações de crédito é praxe no varejo. Esse mercado deverá crescer e se tornar mais organizado a partir de agosto, quando entra em vigor a resolução do Banco Central (BC) determinando que todos os recebíveis passem a ser certificados em alguma central registradora e possam ser livremente utilizados pelos empresários para obter financiamento - limitando o alcance da chamada trava bancária.

Ontem, em transmissão ao vivo pela internet, Bernardo Piquet, sócio da Stone, afirmou que, se o mercado brasileiro estivesse em estágio avançado de competição de oferta de crédito, “encontraria caminhos com menos obstrução para o recurso chegar na ponta”.