Título: Quem ama não bate
Autor: Carlos Minc
Fonte: Jornal do Brasil, 14/12/2005, Opinião, p. A11

A violência contra a mulher passou a ser uma questão de saúde pública no Rio de Janeiro. Com a aprovação da Lei 4638/05, dos deputados Carlos Minc e Cida Diogo (ambos do PT-RJ), os hospitais públicos e privados e demais serviços, como clínicas de saúde, estão obrigados a notificar os casos de violência contra a mulher às autoridades de saúde. A notificação será obrigatória tanto para a mulher que admitir ter sido espancada quanto para o caso em que o profissional de saúde suspeitar estar diante de uma vítima de agressão. Os formulários preenchidos nas unidades poderão ser solicitados pelo poder Judiciário e pelo Ministério Público. A legislação determina ainda a criação de um Comitê Técnico Intersetorial de Acompanhamento de Notificações de Violência contra a Mulher. Sabemos que as mulheres que sofrem violência doméstica são assíduas freqüentadoras dos serviços de saúde, não só em busca de atendimento para seus ferimentos, machucados e lesões físicas, mas também como forma de buscar atenção, escuta e acolhimento para o desabafo de seu sofrimento psicológico. Os profissionais de saúde são assim obrigados a informar às autoridades a violência sofrida pelas mulheres e camufladas por ''quedas da escada'', ''esbarrões em armários'' e outros ''acidentes'' imaginados para esconder a humilhação pela agressão vivida. Os sinais de violência só se tornam visíveis quando os profissionais estão sensíveis para perceberem que essas histórias relatadas pelas mulheres nem sempre são verdadeiras. É de fundamental importância que os profissionais sejam capazes de acolher as vítimas de forma solidária e respeitosa e que estejam atentos para as conseqüências psicológicas geradas pelas violências sofridas. As notificações do setor saúde permitirão a realização de um mapeamento da violência contra a mulher no estado do Rio de Janeiro. Mais de 70% das agressões às mulheres partem de maridos e companheiros (ou ex); em 54% dos casos essas violências são presenciadas pelos filhos, segundo levantamento minucioso realizado a partir das ligações ao Disque-Denúncia, coordenado por Zeca Borges; 60% destas ocorrências não são denunciadas, sobretudo por temor de novas pancadas ou de prisão dos companheiros (ou ex). A nova lei fornecerá índices mais realistas a respeito desse tipo de violência (que hoje é sub-notificada), tornando mais efetivas as políticas públicas, as medidas preventivas e as probabilidades de se punir os covardes agressores. Outra via que a nova lei reforça é a da ação judicial. No caso em que, numa segunda (ou terceira) agressão, a vítima decidir registrar a ocorrência na Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), a notificação compulsória anterior caracterizará a nova pancada como reincidência. Uma terceira conseqüência será a de desencorajar os potenciais agressores, além do chamamento à consciência, mostrando-lhes que independente de ameaças ou pedidos de perdão (em que a culpa é geralmente atribuída ao álcool) suas maldades serão registradas. Iremos agora partir para a campanha do ''Cumpra-se'', com o lema ''quem ama não bate'', além de cartilhas explicativas, visitas aos hospitais, trabalho conjunto com os conselhos de Medicina e de Enfermagem, com o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher (Cedim) e com ONGs feministas e de defesa da cidadania. Ou há respeito e integridade para todas e todos, ou muito brevemente será proclamada a barbárie dentro de casa e nas ruas, como infelizmente é a tendência a que assistimos e em face da qual nossa indiferença nos torna cúmplices.