Ex-mulher acusou Bolsonaro de ameaça

Leonardo Cavalcanti, Marcos Amorozo, Paulo Silva Pinto e Renato Souza

Correio braziliense, n. 20216, 26/09/2018. Política, p. 2

Relatórios despachados em 2011 da Embaixada do Brasil em Oslo, na Noruega, para a sede do Ministério das Relações Exteriores, em Brasília, relatam que Ana Cristina Valle, ex-mulher do candidato Jair Bolsonaro (PSL), alegou ter sido ameaçada de morte por ele. Os telegramas, como são chamados no jargão diplomático esses textos, datados de julho daquele ano, mostram os movimentos do capitão reformado do Exército para conseguir ter acesso à localização da mulher com quem se relacionou por uma década e do filho de ambos, Jair Renan, então com 13 anos.

O menino viajou sem autorização dele. Na época, ao explicar os motivos que a levaram a sair do país, Ana Cristina disse que “havia sido ameaçada de morte pelo pai do menor”, no que o então embaixador brasileiro na Noruega, Carlos Henrique Cardim, completou: “Aduziu ela que tal acusação poderia motivar pedido de asilo político neste país”.

Cardim assinou o telegrama. Diplomata e professor do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), ele atesta o diálogo entre a ex-mulher de Bolsonaro e o vice-cônsul Mateus Henrique Zóqui, apesar de informar que não participou diretamente do caso. Segundo Cardim, Bolsonaro fez contato direto com ele naquele período, depois de procurar o Itamaraty, para tratar do caso envolvendo o filho Renan. O contato com Ana Cristina ficou a cargo de Zóqui, responsável por esse tipo de assistência. Um dia depois de enviar o último relatório, o embaixador entrou de férias e veio para o Brasil. Devido a questões pessoais, acabou não voltando mais para o país europeu.

Reportagem do jornal Folha de S. Paulo, publicada na semana passada, revelou os detalhes de como Bolsonaro mobilizou a estrutura do Ministério das Relações Exteriores para atender interesses pessoais, envolvendo a relação com a ex-mulher. O documento, ao qual o Correio também teve acesso, demonstra os detalhes das conversas entre Ana e representantes do Itamaraty. De acordo com o memorando, ao ser informada de que poderia responder, no âmbito da Convenção de Haia, por sequestro internacional de menores, a advogada considerou que o vice-cônsul estava agindo em nome de Bolsonaro.

Ana disse, então, “ter deixado o Brasil há dois anos ‘por ter sido ameaçada de morte pelo pai do menor’”. No contato que teve com o Itamaraty, de acordo com os documentos, Bolsonaro disse que Renan viajou com um passaporte sem o sobrenome do pai. Esse documento foi feito com base na certidão de nascimento registrada antes do reconhecimento da paternidade. O deputado afirmou na época que “o gesto constituiria falsidade ideológica com intuito de sequestro”.

Em conversa com a reportagem do Correio, Ana Cristina negou ter feito as acusações ou ter sido contatada pelo consulado brasileiro. “Nunca fui ameaçada de morte por ele. Eu não fui contatada pela embaixada na época. Hoje, eu mantenho uma relação boa com Bolsonaro. Toda separação é meio difícil. Existem mágoas, um pouco de brigas, e na minha não foi diferente”, afirmou. Por meio de sua assessoria, o deputado Jair Bolsonaro não respondeu à reportagem. Zóqui também se recusou a dar detalhes sobre o ocorrido. O Itamaraty não quis se pronunciar.

Ana Cristina é candidata a deputada federal pelo Podemos e se identifica como Cristina Bolsonaro. Ontem, ela divulgou um vídeo no Instagram desmentindo as informações. E qualificou de “mídia suja” os veículos de comunicação que publicam reportagens, segundo ela, contrárias ao candidato do PSL.