Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Finanças, p. C2

Nó fiscal dificulta saída do Brasil da crise, diz Wichmann

Entrevista:  Arthur Wichmann, sócio do multi family-office Citrino Gestão de Recursos.


Países emergentes, com menor espaço fiscal e poupança doméstica como o Brasil vão ter mais dificuldade para sair da crise após políticas anticíclicas usadas para mitigar os efeitos da pandemia de covid-19, segundo o ex-Verde Arthur Wichmann, sócio do multi family-office Citrino Gestão de Recursos.

“Se a política fiscal é forte demais, os agentes ficam preocupados com o excesso de endividamento do governo, a dívida/PIB alta pode não convergir no médio prazo e demandar mais prêmios em títulos públicos”, disse ao participar de conferência on-line da XP. Do lado da política monetária, o BC brasileiro vive o dilema de cortar demais os juros sob o risco de colocar as taxas futuras para cima e acentuar a desvalorização do real.

Ele ponderou que políticas de isolamento social e de paralisação têm que ser muito bem pensadas porque se depois de 20 dias um autônomo ou profissional liberal não conseguem colocar comida em casa isso pode virar uma insurgência social. Wichmann citou pesquisa de regional do Fed que remete à década de 1990 que a cada aumento de 1% de desemprego em 12 meses morrem 40 mil pessoas.

“Você não está escolhendo entre o bom e o ótimo, mas entre o ruim e o péssimo. Tem a morte da pandemia e a morte do desalento, de quem que teve infarto porque não conseguiu pagar suas contas, o plano de saúde, comprar o remédio contra a asma. Há um cálculo social a ser feito, por isso a importância da política integrada.”

Com os mesmos remédios fiscais e monetários da crise e 2008, com a diferença de que agora a ação veio mais cedo e em dose cavalar, o gestor disse que a pergunta de “cem trilhões de dólares” é se a injeção de liquidez vai acarretar inflação, o que não se viu nos anos pós-quebra do Lehman Brothers. Como há um choque de demanda sem precedentes, no primeiro momento, ele não vê pressão inflacionária, mas não dá para saber até quando. “Alguém vai rejeitar o dólar porque o balanço do Fed subiu US$ 4 trilhões, e vai para onde? A questão da moeda é qual a camisa menos suja.”

Já as moedas emergentes são imediatamente afetadas. “Se a inflação é muito baixa, você pode escolher financiar o governo americano e não o brasileiro.”

Em termos de alocação, Wichmann disse que algo útil que aprendeu na crise de 2008 é fazer uma espécie de filtro negativo e tirar do mapa empresas alavancadas. Uma armadilha que o investidor deve evitar é se apegar a múltiplos baixos porque algumas companhias vão deixar de existir.

Ele acha que o mundo das novatas de tecnologia que conseguiam atrair recursos e valiam US$ 1 bilhão acabou. “O capital ficou mais escasso por definição. Não vai ter dinheiro para as ‘ventures’ mais arriscadas.” Wichmann concluiu que não apostaria estruturalmente contra a tecnologia e o capitalismo. “A crise está sendo dura, vai ser dolorosa, mas vai passar.”