Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Finanças, p. C6
Banco tenta conter calote em linhas emergenciais
Flávia Furlan
Os grandes bancos têm lançado medidas para conter o aumento da inadimplência em duas linhas de crédito específicas: o rotativo do cartão e o cheque especial, que ficaram de fora da repactuação por 60 dias anunciada no início de março. Geralmente pré-aprovadas, essas modalidades têm caráter emergencial e tendem a ser rapidamente acessadas em momentos de crise, mas apresentam as mais altas taxas de juros e as maiores incidências de calotes, mesmo após novas regras impostas pelo Banco Central.
Para evitar o efeito “bola de neve”, em que as dívidas crescem sem parar com juros sobre juros, há bancos que estão cortando as taxas pela metade e isentando as tarifas, enquanto outros estão alongando os prazos de pagamento e migrando o cliente para outras modalidades de crédito, inclusive como forma de abrir espaço para os consumidores continuarem a ter como fazer suas compras no cartão.
Em fevereiro, antes de o isolamento ser adotado para conter o contágio do coronavírus, a inadimplência do cheque especial estava em 15,5% da carteira, enquanto as concessões nessa linha cresciam 7,3% em 12 meses. Já no rotativo os calotes eram de 36,2% e concessões avançavam 19,3%. Para comparar, na média de mercado, a inadimplência das pessoas físicas estava em 5,1%.
Na dinâmica do cartão de crédito, o cliente que não paga a fatura total entra no rotativo, cuja taxa de juros é de, em média, 226,5% ao ano, segundo dados de fevereiro. Até 2017, o valor não pago era somado à fatura do mês seguinte, mas a partir daquele ano o regulador passou a exigir que o emissor faça a divisão do saldo em prestações cobradas nas próximas faturas. Nesse parcelamento do cartão, a média de juros é de 150,9% ao ano.
“O crédito rotativo é uma linha complexa, que não tem garantia e, se você descuida, a inadimplência sobe consideravelmente num momento de crise”, disse Edson Costa, diretor de meios de pagamento do Banco do Brasil. “Fora que essa linha acaba consumindo o limite concedido pelo banco e tira o poder de compra do cliente com o cartão.”
O BB está oferecendo ao cliente a possibilidade de migrar do rotativo ou mesmo do parcelado no cartão, linhas que têm impacto no limite do cartão do cliente, para um crédito direto ao consumidor (CDC) clássico.
Essa já era uma alternativa disponível antes da crise, mas de maneira muito tímida, e está sendo reforçada neste momento. Com a mudança, o juro mensal cai de 10% (rotativo) e 7% (parcelado) para 3,34%, enquanto o prazo vai de 24 para 60 meses.
Os bancos também estão isentando o cliente da tarifa referente ao pagamento de contas e boletos, como água, energia, condomínio ou mensalidades escolares, pelo cartão de crédito, a exemplo do Banco do Brasil e do Itaú.
O Santander cortou em 50% o juro do parcelamento do cartão de crédito, para uma taxa máxima de 4,99% ao mês, com prazo de pagamento em 24 meses e carência de 60 dias. Além disso, elevará em 10% o limite de cartão para quem solicitar, sendo que a medida é válida até que o cliente passe por uma revisão do risco de crédito. “Não sabemos como estarão as condições adiante e podemos até avaliar a prorrogação dessas medidas”, disse Rogério Panca, superintendente-executivo de cartões e pagamentos digitais do banco.
A linha de cartão de crédito tem roubado mais a atenção dos bancos do que a de cheque especial. Nesse último caso, o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou um novo modelo para o produto no ano passado, permitindo aos bancos cobrar tarifas dos clientes, mas, em contrapartida, limitando a taxa de juro a 8% ao mês, abaixo da média de 12,4% que vinha sendo praticada.
A Caixa Econômica Federal, que vinha reduzindo fortemente os juros nesta linha, anunciou o corte da taxa de 4,95% ao mês para 2,9% ao mês, no caso de cheque especial para pessoas físicas com recebimento do salário no banco. A medida é válida por 90 dias, entre abril e junho deste ano. Já o Banco do Brasil está permitindo o parcelamento do saldo do cheque especial em uma linha de crédito específica, com taxas a par 3,27% ao mês, considerando carência para pagamento da primeira parcela em até 60 dias.
Executivos do setor bancário acreditam que, por enquanto, o governo e os reguladores estão focados em dar liquidez para os bancos apoiarem os clientes pessoas jurídicas, como forma de haver uma maior preservação do emprego e da renda. Às pessoas físicas, embora tenha sido aprovada a carência de 60 dias em dívidas e afrouxamento em provisões para renegociações, os bancos acreditam que, por ora, as iniciativas estão em suas mãos.
“Num primeiro momento, acreditava-se que a implementação da carência de 60 dias em algumas linhas seria suficiente para dar o fôlego que as pessoas necessitam nesta crise. Mas acredito que, se ela se estender muito mais, será necessário mais alguma medida, inclusive dos reguladores”, diz um executivo do setor, sob a condição de anonimato.