Valor Econômico, v. 20, n. 4982, 16/04/2020. Brasil, p. A3

Com incertezas, governo aposta em meta variável

Fabio Graner
Mariana Ribeiro
Lu Aiko Otta
Edna Simão


Diante da crise do coronavírus, o governo enviou ontem ao Congresso o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 que inova na regra de resultado primário e prevê uma sequência histórica de dez anos de déficits.

A proposta é que a meta de primário do ano que vem seja o saldo entre a despesa do teto de gastos e a receita projetada para o período. Assim, o governo não precisará perseguir um número específico, como sempre fez, apenas terá que garantir as despesas dentro do limite constitucional. “A meta definida na LDO é na verdade uma conta, uma regra”, disse o secretário de Orçamento do ministério da Economia, George Soares.

Pela proposta, a meta nasce sendo de R$ 149,6 bilhões de déficit primário para o governo central. O próprio secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, porém, disse que esse número já nasceu subestimado, pois considera um cenário de PIB zero em 2020, quando todos sabem que será negativo. A “meta” será constantemente alterada, seguindo o calendário fiscal. A primeira mudança deverá ocorrer em agosto, com o envio da peça orçamentária. Depois, no fim do ano, perto da votação do Orçamento. E ao longo de 2021, a cada relatório bimestral.

Com isso, conforme explicou o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, não haverá contingenciamento de gastos em caso de frustração de receitas, como ocorreu no início de 2019. Também não será necessário buscar aumento de carga tributária para compensar perdas de arrecadação.

George Soares acrescentou que só haverá necessidade de bloqueio caso as despesas obrigatórias projetadas cresçam acima do necessário para cumprir o teto de gastos. Isso poderia ocorrer, por exemplo, se a inflação medida pelo INPC, projetada em 3,19% para este ano e em 3,75% para 2021, ficar acima disso, puxando o gasto previdenciário. Nesse caso, explicou, o ajuste “marginal” teria que ser feito nas despesas discricionárias, aquelas que se pode alocar livremente.

Soares afirmou que é “virtualmente impossível” neste momento estimar a receita. Segundo ele, há uma quebra da série da arrecadação, que inviabiliza projeções. Nos próximos meses também não haverá projeção segura, pois vários impostos por exemplo estão sendo diferidos (adiados).

Segundo ele, qualquer variação de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões para baixo na receita pode inviabilizar o governo se a meta fosse colocada  forma antiga. Isso porque as despesas discricionárias sofreram forte redução nos últimos anos

Ele garantiu que, se a receita for melhor, será utilizado para melhorar o resultado primário. “Isso evitará uso populista dos gastos de receita”, destacou Soares.

Todos os técnicos envolvidos no anúncio destacaram a forte incerteza econômica nesse momento e a grande dispersão nas estimativas de crescimento. Para 2021, o número previsto pelo secretário de Política Econômica, Adolfo Sachs ida, é de 3,3% de expansão do PIB.

Ele ressaltou que prefere esperar maio para rever as estimativas de PIB deste ano, embora tenha dito que certamente será um número negativo. Sachsida aponta que é preciso mais informações, pois hoje não se sabe por exemplo quanto tempo vai durar a quarentena nos Estados nem o tamanho do choque vindo do exterior.

Sachsida enfatizou que, passada a fase aguda da crise de saúde, será necessário voltar à agenda de reformas estruturais. “As contas públicas voltarão a registrar resultado primário positivo mais rapidamente se as reformas avançarem.”

Waldery, por sua vez, reforçou o discurso de que a piora fiscal é decorrente de uma questão conjuntural e que o esforço do governo será retomado tão logo passe a crise. “Nossa diretriz é clara: a piora agora é conjuntural, e buscaremos após a crise melhorar resultados fiscais. A melhora será buscada com reformas e venda de ativos”.

Mansueto deu maior ênfase à agenda de privatizações como forma de melhorar o resultado fiscal nos próximos anos e controlar a dívida pública, que no pior cenário para este já chegaria a 90% do PIB.

Defensor de uma meta fiscal variável há tempos, o ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa disse que o mecanismo “chega com pelo menos oito anos de atraso”. “O Brasil finalmente adota uma meta de gasto com resultado primário variável, a depender da receita, pois o governo não controla o quanto recebe. A mudança está na direção certa, mas ainda falta adotar uma meta de gasto adequada à realidade brasileira, pois o teto Temer já era inadequado antes da covid-19 e agora se tornou ainda mais anacrônico”, afirmou Barbosa.

O especialista em contas públicas Leonardo Ribeiro disse que a proposta do governo faz sentido. “A suposta meta fiscal, na prática, vai flutuar conforme a receita... Ou seja, não há meta. O efeito prático dessa metodologia é dar flexibilidade para o executivo na gestão fiscal. Para o governo, é uma alternativa interessante tendo em vista as incerte cercam os efeitos econômicos e sociais da pandemia”, comentou.