Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Finanças, p. C1

Aneel tenta fechar medidas de emergência para setor não recorrer a empréstimo

Rafael Bitencourt 


A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) corre contra o tempo para fechar um conjunto de medidas para socorrer o setor da crise provocada pela pandemia do novo coronavírus. O órgão deve apresentar, nos próximos dias, soluções ao Ministério de Minas e Energia para oferecer maior liquidez de caixa às empresas, especialmente as distribuidoras que sofrem diretamente com a alta inadimplência e queda na demanda. A ajuda poderá vir de recursos sem destinação em fundos e renúncia de receita do Tesouro Nacional com recebíveis de Itaipu.

A pressa do comando da agência vem no sentido de evitar um novo empréstimo bilionário com um “pool” de bancos, como ocorreu no governo Dilma Rousseff no auge crise hídrica em 2014. Ontem, em reunião da diretoria por teleconferência, o diretor da Aneel Efrain da Cruz tornou pública sua insatisfação com a possibilidade de ter que recorrer novamente às instituições financeiras.

Efrain chegou a dizer que a iniciativa não condiz com a diretriz do atual governo. Para ele, seria uma saída fácil que joga custos “no colo” do consumidor. “O presidente Bolsonaro diz, em todas as suas colocações, que existe um modelo perverso que a gente precisa combater. No setor elétrico, o que temos que combater é a ideia de que tudo tem que recair no colo do consumidor”, disse.

A tomada de empréstimo vem sendo considerada em decreto que pode ser editado para regulamentar parte da medida provisória 950/20. Essa foi a mesma MP que assegurou a destinação de R$ 900 milhões do governo federal para dar desconto de 100% aos consumidores de baixa renda beneficiados pela tarifa social por 90 dias. Para evitar nova tomada de crédito, o diretor Aneel elencou uma série de alternativas que estão sendo consideradas no pacote levado ao ministro Bento Albuquerque.

Efrain informou que o setor dispõe de mais R$ 5 bilhões “represados” - em fundos ligados a programas de pesquisa e desenvolvimento (P&D), eficiência energética e apoio à fiscalização - que podem ser usados para socorrer as empresas durante a crise da pandemia. Além da liberação imediata de R$ 5 bilhões, poderia contar ainda com mais R$ 18 bilhões nos anos seguintes.

Esse dinheiro seria usado para dar um alívio nas tarifas e, consequentemente, reduzir a inadimplência projetada que tem atingido as concessionárias. Para ele, seria uma medida de “salvamento imediato”. “Estamos falando em aproximadamente em R$ 23 bilhões para o próximos cinco anos. Por que parte desse dinheiro não pode ser utilizada no salvamento das distribuidoras agora e isso se reverter em modicidade tarifária, logo amanhã?”, questionou.

Efrain informou que o faturamento mensal das distribuidoras é de aproximadamente de R$ 20 bilhões. Segundo ele, cerca de 20% têm deixado de entrar no caixa das empresas por inadimplência dos consumidores ou redução da demanda. A baixa no consumo ocorre principalmente no segmento comercial e industrial, afetados diretamente pela crise. “A gente está falando em perda de R$ 4 bilhões a cada mês. Em três meses, a gente chega a R$ 12 Bilhões”, afirmou.

Até agora, a agência suspendeu o corte da tarifa de inadimplentes, para beneficiar o consumidor. Em benefício do setor, o órgão liberou R$ 2 bilhões do fundo de energia de reserva para reforçar o caixa das empresas que fizeram a contribuição.

Sobre os recebíveis de Itaipu, Efrain defendeu que o Tesouro Nacional abra mão da receita obtida na comercialização da energia da hidrelétrica. A União recebe os recursos por ser credora no contrato de financiamento da construção da hidrelétrica. Ele considera que o Tesouro, ao abdicar do dinheiro de Itaipu, poderia ajudar o setor a enfrentar a crise sem provocar aumento nas tarifas para os consumidores no futuro.

“60% de toda a tarifa que pagamos para Itaipu é para serviço da dívida. Nós podemos trabalhar isso de uma forma a amenizar esse impacto tarifário. De certa forma, é o setor elétrico transferindo recurso para o Tesouro. Está na hora de o Tesouro enxergar o setor elétrico em crise e também ajudar”, disse Cruz na reunião da diretoria.

Como a construção de Itaipu envolveu um contrato internacional firmado com o Paraguai, o pagamento pela energia é feito em dólar. Estima-se que os 60% da tarifa, relativos ao pagamento da dívida, alcance o montante de US$ 2 bilhões por ano.

Um complicador da solução proposta pelo diretor da Aneel é que parte do percentual de 60% também vai para a Eletrobras, outra credora do empreendimento. Para não prejudicar a estatal, somente o pagamento do Tesouro poderia ser considerado em eventual medida de socorro do setor.