Valor Econômico, v. 20, n. 4981, 15/04/2020. Finanças, p. C3

Mercados e economistas ainda estão otimistas demais com o coronavírus

Mohamed El-Erian


A distância entre a recuperação em forma de “V” relativamente rápida prevista por alguns economistas e muitos participantes do mercado e a triste realidade imposta pela pandemia do coronavírus ficou menor. Mas a diferença ainda é grande o suficiente para representar problemas complicados para os investidores. Quanto mais rápido tais problemas forem solucionados, menor será a probabilidade de que outra onda de instabilidade no mercado contamine a já abalada economia.

De início (e de forma otimista), os economistas abraçaram a ideia de que haveria uma rápida recuperação no segundo trimestre, na esteira de uma forte contração do primeiro trimestre. Isso mudou e agora se prevê uma grande contração no segundo trimestre, seguida de uma recuperação mais gradual nos três seguintes: padrão mais coerente com a paralisação repentina da atividade mundial.

As projeções atuais, contudo, ainda subestimam a gravidade da paralisação provocada pelo coronavírus na economia, assim como a confusão inerente de processos de recomeço e consequentes mudanças do cenário pós-crise.

Grandes empresas, sem visibilidade à frente, vêm deixando de divulgar previsões de resultados - fenômeno que tende a aumentar. Muitas empresas também se apressaram em levantar dinheiro como forma de precaução, o que incluiu emissão de dívida, mesmo com os lucros em queda e os cortes nas notas pelas agências de rating.

Tal aumento na emissão de bônus com bom rating encontrou forte demanda dos investidores, respaldados pelas novas medidas do Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) como parte de um programa de intervenção emergencial no mercado que já excede de longe o promovido durante a crise financeira de 2008.

Muitas empresas também correram para reduzir custos por meio de demissões em grande escala, o que resultou em um salto de 17 milhões nos pedidos de seguro-desemprego nos EUA em apenas três semanas. Isso equivale a 10% da força de trabalho americana, equivalente à maior taxa de desemprego no país durante a grande recessão de 2008-2009.

Esse crescimento alarmante no desemprego e os cortes nos salários dos ainda empregados vêm encorajando as famílias a ter mais cautela nos gastos. Não seria precipitado fazer um paralelo com o duradouro comportamento frugal de parte da geração que passou pela Grande Depressão.

As previsões de consenso econômicas não são as únicas que deixam de incorporar plenamente o impacto do choque e as reações tanto de empresas quanto de famílias. Os mercados também estão otimistas demais, a julgar pela relação entre preço e lucro das ações e pelos dos segmentos de pior qualidade nos mercados de crédito.

Nem um nem outro vêm levando em conta uma série de riscos, como o panorama mais complicado para os balanços, os níveis mais altos de endividamento, uma dispersão muito maior entre vencedores e perdedores, o envolvimento cada vez maior do governo em atividades do setor privado, a longa aversão ao risco na economia real e, mais importante, o enorme número de quebras.

Essa lacuna cognitiva é reflexo, em parte, de uma tendência estrutural inerente dos mercados a tratar recuos como sendo algo temporário ou totalmente reversível - resultado de vários anos de condicionamento para tentar acompanhar, e tomar a dianteira de, um Fed superativista.

Outro fator de confusão é sobre o que as políticas monetárias e fiscais são capazes ou não de fazer. Elas podem ajudar com tensões no mercado e problemas de liquidez de curto prazo, mas não evitam inadimplência de empresas e países em desenvolvimento ou reativam uma economia rapidamente.

Tendo isso em mente e a necessidade de se preparar para um cenário novo quando o mundo emergir deste gigantesco choque econômico, os investidores deveriam agradecer ao Fed e aproveitar a recuperação resultante do mercado para reorientar-se de três formas rumo a ativos de maior qualidade.

Primeiramente, deveriam sair de empresas e países com balanços e contas fragilizadas e investir naqueles que gozam de grandes colchões de liquidez, dívida de curto prazo limitada e, se possível, geração de caixa positiva. Também deveriam vender sua posição em empresas que terão dificuldade em se recuperar totalmente no mundo pós-crise e comprar ativos das que sairão beneficiadas com o que provavelmente serão tópicos duráveis: optando mais pela autodependência e menos pela eficiência das cadeias mundiais de fornecimento ou terceirização em massa; pelo físico em vez do virtual; e por uma maior desglobalização.

Ainda, os investidores deveriam manter caixa disponível para um conjunto cada vez maior de oportunidades em áreas como as de crédito garantido e ativos em situações especiais que se aproveitam de falhas de mercado grandes, mas reversíveis.

O momento de uma recuperação conclusiva do mercado, e em seguida da economia, virá apenas com avanços médicos na identificação e contenção da disseminação do vírus, com tratamentos mais eficientes para a doença e com o aumento da imunidade.

Até lá, especialistas em previsões econômicas e do mercado deveriam se concentrar na identificação de um conjunto mais amplo de indicadores de alta frequência que capturem a gravidade desta pandemia de coronavírus, a força da subsequente retomada econômica e os assuntos que definirão o novo rumo da economia mundial.

Para investidores, a tarefa à frente é tediosa, mas necessária: esquadrinhar os portfólios, nome a nome, para reduzir a exposição a perdas com inadimplência de empresas e países, ao mesmo tempo em que mantêm o potencial de retorno caso o Fed continue a respaldar os mercados. A hora para entrar em ritmo de plena recuperação vai chegar. Mas ainda não chegou.