O Globo, n. 32488, 19/07/2022. Política, p. 6

Embaixadores não aderem a teorias falsas de Bolsonaro

Eliane Oliveira


As acusações infundadas do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral não convenceram embaixadores presentes à reunião de ontem no Palácio da Alvorada. De acordo com diplomatas estrangeiros ouvidos pelo GLOBO, os relatos a serem encaminhados a seus respectivos países é que o chefe do Executivo brasileiro não apresentou qualquer prova que justificasse as acusações que fez.

Alguns disseram estar preocupados coma democracia no Brasil ,“uma das maiores do mundo”. Na avaliação de um embaixador que falou na condição de anonimato, resta torcer para que as instituições funcionem e para um improvável entendimento entre Bolsonaro e o Poder Judiciário. Segundo ele, esse cenário garantiria que as eleições transcorressem sob normalidade.

De acordo com um diplomata estrangeiro, como não apresentou provas do que disse, ficou claro que as motivações dos ataques a magistrados do STF e do TSE contêm forte componente político. Causou constrangimento ataques nominais e diretos contra os ministros Luís Roberto Barroso (ex-presidente do TSE), Edson Fachin (atual presidente do TSE) e Alexandre Moraes (atualmente em ambas as cortes).

Outro chefe de representação diplomática disse ao GLOBO que reportará ao seu país que Bolsonaro tentou desacreditar o sistema eleitoral e voltou a ameaçar a democracia, ao atacar ministros. Segundo esse embaixador, o presidente brasileiro insiste em repetir meras teorias da conspiração.

Houve ainda quem dissesse que o que mais chamou a atenção foram as investidas contra seu principal adversário na eleição, o ex-presidente Lula (PT). Para esses representantes da comunidade internacional, com isso, o presidente deixou claro que se sente pressionado pela intenção de voto, que o colocam atrás do petista.

Para alguns dos representantes diplomáticos presentes à reunião, um dos piores momentos foi quando Bolsonaro criticou os que defendem o imediato reconhecimento do resultado da eleição no Brasil em outubro, embora o presidente saiba que nunca houve fraude comprovada nas votações brasileiras desde que as urnas eletrônicas foram implantadas.

Critérios divergentes

Um dos poucos a comentar o evento abertamente, o embaixador da Suíça, Pierre Lazzeri, afirmou em suas redes sociais esperar que as próximas eleições sejam uma “celebração da democracia”.

“Participei hoje no Palácio da Alvorada do encontro do presidente da República com Chefes de Missão Diplomática. No ano do Bicentenário do Brasil, desejamos ao povo brasileiro que as próximas eleições sejam mais uma celebração da democracia e das instituições”, escreveu Lazzari.

O interesse pelo que Bolsonaro iria dizer sobre as eleições foi refletido pelo grande número de participantes. Interlocutores envolvidos com o evento esperavam algo em torno de 30 a 40 embaixadores, mas cálculos feitos por alguns convidados estavam na reunião mostram que havia entre 65 e 80 pessoas do corpo diplomático. O Palácio do Planalto não divulgou a lista de embaixadores presentes.

Apesar da ampla participação, países importantes para a política externa brasileira, como Argentina, China e Reino Unido, ficaram de fora da apresentação. Essas embaixadas sequer foram convidadas para o encontro. A justificativa dada por integrantes do governo brasileiro é de que esses postos estão sem titulares.

Esse argumento, contudo, não se aplicou aos Estados Unidos, que também está sem embaixador. O chefe do posto em Brasília, Douglas Koneff, encarregado denegócios da embaixada, participou como convidado da reunião.

A Casa Branca tem especial preocupação com o comportamento de Bolsonaro, que chegou a lançar dúvidas sobre o resultado das eleições americanas, quando o democrata Joe Biden venceu o republicano Donald Trump, idealizado pelo presidente brasileiro e aliados.

De acordo com uma fonte do governo ligada à área internacional, o critério para o envio de convites foi o “bom senso”. Também pesou na elaboração da lista de convidados o nível de interesse do país sobre a eleição no Brasil.

Alguns embaixadores foram convidados, mas não compareceram, como os do Japão, Teiji Hayashi, que alegou compromissos em São Paulo, e o da Coreia do Sul, Lim Ki-mo, que está em Seul.

Entre os embaixadores convidados que marcaram presença estavam os de Portugal (Luís Faro Ramos), da Rússia (Alexey Labetskiy), da França (Brigitte Collet), da Espanha (Fernando García Casas), do Uruguai (Guillermo Valles Galmés), da Itália (Francesco Azzarello), do Marrocos (Mohamed Louafa), da Palestina ( Ibrahim Alzeben) e da Colômbia (Dario Montoya). Indicada por Juan Guaidó — presidente interino da Venezuela, reconhecido pelo Brasil e outros países —Maria Teresa Belandria também participou.

O Itamaraty teve pouca participação nos preparativos da reunião, que ficou por conta do Planalto, inclusive o envio de convites. O evento sequer estava previsto no site do Ministério das Relações Exteriores, mas o chanceler Carlos França participou. A maioria dos carros das embaixadas chegaram ao Palácio do Alvorada sem identificação. Ao fim do discurso, Bolsonaro recebeu aplausos tímidos. Segundo relatos, parte dos convidados se retirou sem cumprimentar o presidente.