Valor Econômico, v. 20, n. 4982, 16/04/2020. Brasil, p. A4

Estudo aponta falta de 41 mil leitos em UTIs do SUS
Leila Souza Lima 


Projeções do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps) apontam déficit de 40,7 mil leitos de UTI no Sistema Único de Saúde (SUS). A estimativa foi feita sobre um cenário-base em que 10% da população brasileira seria infectada pelo novo coronavírus ao longo de seis meses e em que 5% do total de atingidos pela doença seria internado por dez dias em unidades de terapia intensiva.

Somente para equipar as unidades com itens básicos como monitor, ventilador pulmonar e sensores, fora o custo de mantê-las, o investimento necessário seria de R$ 7,33 bilhões - valor além das possibilidades atuais do sistema.

Esse acréscimo de leitos representaria aumento de 273,7% sobre as atuais 14.873 vagas em UTIs disponíveis no SUS para adultos. O número de equipamentos similares aptos a receber pacientes no setor privado era de 17.884 em janeiro de 2020.

Professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e pesquisador visitante no Departamento de Saúde Global e Populações da Escola de Saúde Pública de Harvard, o médico sanitarista Adriano Massuda, um dos autores do levantamento, explica que se tomou como base a população que depende unicamente do SUS. Esse fator torna a estimativa mais conservadora, porque reduz o número de internações adicionais por covid-19 que podem recair sobre leitos públicos e a ocupação projetada.

Os cálculos usam microdados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) de janeiro de 2020 sobre as 117 macrorregiões de saúde do país. Ainda assim, em cerca de 5% dessas macrorregiões não há nem sequer um leito de UTI, o que torna alguns indicadores

“A partir da análise de áreas com maior necessidade, buscamos estimar quanto seria necessário para implantar as UTIs. Mas a avaliação, claro, depende da trajetória epidêmica no país. Se mais concentrada, vai requerer investimento maior em leitos. Já se a expansão não ocorrer de  indeterminados, como a própria taxa de ocupação.

“A partir da análise de áreas com maior necessidade, buscamos estimar quanto seria necessário para implantar as UTIs. Mas a avaliação, claro, depende da trajetória epidêmica no país. Se mais concentrada, vai requerer investimento maior em leitos. Já se a expansão não ocorrer de forma exponencial, for linear, é possível manejar o atendimento com quantidade bem menor de leitos”, explica Massuda.

Mesmo em regiões mais ricas como Sul e Sudeste, ao olhar para o déficit absoluto, já havia áreas com grandes necessidades. Já quando observados números relativos - considerada a taxa ideal de 10 leitos por 100 mil habitantes -, as regiões Norte e Nordeste chamam mais atenção em precarização.

“O fundamental não é montar leitos de UTI, mas fortalecer a atuação do sistema de saúde para controlar a evolução da epidemia. Isso é ainda mais importante devido à fragilidade estrutural da atenção hospitalar; 70% das regiões do país já têm número de leitos abaixo do recomendado. Muitas sem nenhum”, pontua Massuda.

Segundo ele, o panorama com 10% da população infectada em seis meses foi escolhido como cenário-base por ser algo possível, mas meio termo que não chega à casa de 30%, 40% de infectados - o que seria um horizonte catastrófico, com demanda praticamente impossível de ser atendida.

“É provável que a curva da pandemia seja muito diferente entre as regiões e dependente da atuação do sistema. O que queremos, na verdade, é chamar a atenção para o fato de que a resposta à epidemia não deve ser só hospitalar.”

Massuda frisa que, quanto mais amplas e efetivas forem as ações para conter a doença - o que inclui a atuação da vigilância epidemiológica a atenção primária para identificar precocemente casos suspeitos ou positivos -, menor será a necessidade de internações.

E quanto mais concentrada a evolução da epidemia, mais alto será o custo da assistência hospitalar, ao ponto de uma necessidade de expansão mais abrangente do número de leitos se tornar impeditiva, diz Rudi Rocha, outro autor do estudo, professor da FGV e coordenador de pesquisas do Ieps.

“A assistência hospitalar é a linha de chegada, cabe reter a demanda com medidas preventivas de isolamento e ações efetivas na atenção primária, que é a porta de entrada. O país tem condições de organizar isso no âmbito da Estratégia Saúde da Família e com o trabalho dos agentes comunitários de saúde, uma fortaleza do SUS.”

O economista ressalta que, apesar do impacto da crise e das medidas de isolamento sobre a atividade econômica, o valor do tempo nunca foi tão importante como agora. E ele está a favor do Brasil.

“Há espaço para preparar o sistema de saúde, criar mecanismos de transferência de renda e gerar liquidez para a economia”, diz ele. Para Rudi Rocha, não cabe apenas quantificar se serão 10 mil ou 15 mil mortes pela covid-19, mas avaliar os riscos de colapsar um sistema que entrega mais de 10 milhões de internações por ano.

“O SUS deve ser preservado pois cuida de parte importante da população, é ativo econômico. Ninguém suportaria viver um ano, dois isolado. Mas essas medidas agora têm valor altíssimo, sabendo-se que saída será lenta e não se sabe ao certo como.”

Outro aspecto, diz Massuda, é que não se trata apenas de ter dinheiro para montar e manter os leitos de UTI. A escassez dos itens no mundo tornou a compra mais difícil e inflacionou os preços.

Segundo ele, as projeções são feitas para orientar políticas. “A perspectiva se o sistema não for fortalecido é a de que vai ocorrer enorme desassistência. E um grande número de mortes que poderiam ter sido evitadas.”