Valor Econômico, v. 20, n. 4982, 16/04/2020. Brasil, p. A3
Déficit pode ir a R$ 600 bilhões neste ano, aponta BTG
Marta Watanabe
A combinação de novas medidas de combate à covid-19 e um aprofundamento da recessão neste ano deve levar o déficit primário do governo central a R$ 570 bilhões em 2020 e a R$ 600 bilhões, ou 8,3% do PIB, em todo o setor público, segundo avaliação do banco BTG Pactual divulgada ontem. Caso as medidas contra a pandemia, a maioria com vigência inicial de dois a quatro meses, sejam estendidas até o fim do ano, diz o banco, o déficit primário pode chegar a R$ 1 trilhão. Para 2021, o BTG espera déficit de R$ 194 bilhões, ou 2,5% do PIB.
O BTG também revisou a projeção para PIB, de queda de 1,5% para recuo de 4% em 2020. A projeção de inflação pelo IPCA para o ano caiu de 2,7% para 2,3%.
O cálculo do déficit para o governo central este ano contempla as medidas já divulgadas pela União e algumas das que ainda estão em discussão, consideradas mais prováveis, segundo Gabriel Leal de Barros, economista do BTG Pactual e ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI).
Entre as medidas em discussão, ele explica que considerou R$ 41 bilhões de “provável” recomposição pelo governo de parte do ICMS e ISS a Estados e municípios por três meses. Também incluiu R$ 40 bilhões relativos à ampliação do auxílio emergencial de R$ 600, com a retirada da restrição de renda tributável máxima anual de R$ 28,56 mil em 2018, medida em apreciação também na Câmara. Barros considerou ainda outros R$ 24 bilhões para a extensão por seis meses adicionais de medida da União para recompor o FPE aos Estados e o FPM aos municípios. Já o debate para ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) não foi considerado na projeção.
Embora temporário, restrito a 2020, o impacto fiscal pode ser maior, salienta Barros. O cenário projetado atualmente, diz, considerou que as medidas durarão pelo tempo proposto. Ou seja, boa parte delas, por dois a quatro meses. Mas, se as medidas forem estendidas até o fim do ano, o impacto fiscal poderia aumentar em mais R$ 400 bilhões, ou 5,5% do PIB. Ou seja, calcula ele, se estendidas, as medidas podem levar a um déficit primário de quase R$ 1 trilhão ou perto de 14% do PIB em 2020. Nesse cenário, a dívida bruta pode totalizar 93% do PIB este ano.
Ele ressalta, porém, que, mesmo que se chegue a um déficit e a um endividamento desse tamanho, é importante que a percepção do mercado seja de que esse resultado é temporário e também de que não haverá perda de fôlego para retomada da agenda de reequilíbrio fiscal já no ano que vem. Caso contrário, diz ele, o mercado vai precificar isso, o que impactará no custo de rolagem da dívida.
O risco de estender até o fim do ano medidas contra os efeitos da covid-19 inicialmente desenhadas para valer por dois a quatro meses existe, avalia. Além da recessão que deve ser mais profunda do que a esperada inicialmente, “não há como ignorar o ruído político influenciando no avanço das medidas e na dificuldade de se chegar a um consenso sobre o conteúdo e duração delas”, diz. Ele exemplifica com a discussão sobre recomposição de ICMS e ISS a Estados e municípios. Há cerca de três semanas, lembra, era considerado que o assunto nem estava à mesa. Uma semana e meia depois, o assunto tornou-se factível e nesta semana se discute o tamanho da recomposição.