Valor Econômico, v. 20, n. 4982, 16/04/2020. Brasil, p. A3
Mudança acaba na prática com o atual modelo
Fabio Graner
A sistemática fiscal anunciada ontem com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) na prática acaba com o conceito de meta de resultado primário, que por décadas foi a principal âncora fiscal do país. Pelo menos para 2021. Ao definir que ela é um simples resultado da projeção de receitas menos o teto de gastos, efetivamente o governo apresenta uma regra de mensuração, não um alvo a ser efetivamente perseguido.
Os técnicos da área econômica disseram que não haverá bloqueio de despesas por frustração de receita. Se houvesse meta de fato a ser cumprida, o governo teria que ao menos buscar recompor a arrecadação, por exemplo com alta de tributos. Não há um incentivo formal a isso. E essa alternativa também foi descartada, com ênfase, por dois dos secretários: Mansueto Almeida, do Tesouro, e Adolfo Sachsida, de Política Econômica.
A justificativa da alta incerteza econômica é razoável. De fato, qualquer estimativa hoje é mero chute. Uma alternativa seria usar a estratégia de superestimar o déficit, que de certa forma já vinha sendo utilizada nos últimos anos. Há quem diga que esse caminho seria mais transparente e há quem não goste. De qualquer forma, a equipe que chegou com promessa de zerar o déficit, agora faz o mais elevado gasto da história recente e tem que inovar no desenho fiscal. Ficou só com a âncora do teto de gastos.
Curiosamente, a proposta apresentada ontem se assemelha à que o ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff Nelson Barbosa defendeu sem sucesso por anos quando fazia parte do time econômico petista. Para ele, o caminho era se definir um limite para as despesas e o resultado primário se daria pelo que viesse de receitas. Com essa tese ele divergiu do então secretário do Tesouro, Arno Augustin, responsável pelas chamadas “pedaladas fiscais” e depois do ex-ministro Joaquim Levy, em 2015.
O modelo novo parece livrar o governo de ter que ficar pedindo ao Parlamento alterações da meta. No texto da LDO, o alvo é só uma conta, como explicou o secretário George Soares, mas no anexo da lei há um número previsto. Será que o Congresso aceitará a novidade?