Valor Econômico, v. 20, n. 4982, 16/04/2020. Brasil, p. A4

4 em cada 10 vulneráveis das maiores cidades vivem longe de hospital preparado

Gabriel Vasconcelos 


Quatro em cada dez pessoas de mais de 50 anos e de baixa renda das grandes cidades brasileiras moram a mais de 5 km distância de um hospital com leito de UTI equipado com respirador, e podem enfrentar dificuldades com o avanço da pandemia do coronavírus, mostra trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com foco nos 20 municípios mais populosos do país.

Mais do que fornecer números em escala nacional, o trabalho apresenta os dados desagregados por cidade, apontando no mapa a localização dos contingentes distantes da rede do Sistema Único de Saúde e os hospitais com maior potencial de sobrecarga, tudo com um grau de precisão próximo de quarteirões.

“Isso permite ao governo federal, governadores e prefeitos tomarem medidas concretas, elegerem com maior eficiência onde implantar pré-ambulatórios e hospitais de campanha ou onde alocar o maior número de ambulâncias”, afirma Rafael Pereira, pesquisador do Ipea que coordenou o estudo.

Pereira se queixa da profusão de análises de dados relacionadas à pandemia incapazes de subsidiar as políticas públicas. “Neste momento precisamos de pesquisas mais consequentes, com ‘actionable information’ [informação capaz de gerar ação]”, diz.

Do total de 1,6 milhão de vulneráveis que moram longe de hospitais ligados ao SUS habilitados a interná-los, o caso mais grave é o do Rio de Janeiro, com 384,3 mil pessoas nessa condição. A capital fluminense é seguida por São Paulo (263,1 mil), Brasília (121 mil), Curitiba (116,4 mil) e Belo Horizonte (92,3 mil).

Em termos proporcionais, porém, o caso mais problemático das 20 maiores cidades do país é o de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde 82,4% dos vulneráveis, ou 67 mil pessoas, teriam grande dificuldade de mobilidade para acessar um hospital com UTI equipada. Nessa comparação, também preocupam Curitiba (67,3%), Brasília (67,1%), São Gonçalo, no Rio, (64,3%) e Campo Grande (61,5%).

A cidade de São Paulo têm o segundo maior contingente em dificuldade de acesso a uma UTI públicas, mas o número (263,1 mil pessoas) representa somente 25% de sua população vulnerável. O estudo do Ipea traz os mapas de cada uma das cidades com as zonas em situação mais complicada em destaque e densidade populacional diferenciada por cor.

Os pesquisadores também apontaram os contingentes de vulneráveis que moram a 30 minutos ou mais a pé de qualquer unidade de saúde ligada ao SUS capaz de realizar a triagem de infectados, a primeira etapa do diagnóstico. Eles identificaram cerca de 228 mil pessoas nessa situação. Os maiores percentuais de pessoas nessa situação estão novamente em Duque de Caxias, mas também em São Luís, Brasília, Maceió e Campinas (SP), todas com taxas acima de 10%.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores identificaram, primeiro, a distribuição espacial da população e das unidades do SUS, usando dados censitários do IBGE atualizados para 2020 pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a base de dados do Ministério da Saúde. Em seguida, selecionaram o público-alvo por faixas etária e de renda e calcularam, com o auxílio de algoritmos especializados, as distâncias entre as residências. Esse cálculo foi feito depois que o mapa foi dividido em hexágonos, com o tamanho aproximado de quarteirões, que facilitam que se encontre essas distâncias.

Em uma segunda parte, o trabalho também analisa a oferta de leitos de UTI equipados com respiradores dentro de cada cidade da lista. Assim, oferece um diagnóstico da razão de equipamentos a cada 10 mil habitantes e também a situação de cada hospital vis-à-vis à demanda potencial em sua zona de captação de pacientes, definida em 15 quilômetros. A conclusão é que a taxa média de leitos nas 20 cidades analisadas é de 1,11 a cada 10 mil pessoas, número acima do mínimo recomendado para o caso de normalidade (1,0), mas abaixo do necessário em uma crise.

A cidade com oferta mais limitada é, mais uma vez, Duque de Caxias (0,3), seguida de Guarulhos, Brasília (ambas com 0,6), Manaus, Maceió e Fortaleza (todas com 0,8).

Com relação à aparelhagem para casos graves, se destacam positivamente Belo Horizonte e Goiânia, ambas com taxa de 2,8 leitos de UTI com respiradores por habitante. No Rio a taxa é de 1,5, e, em São Paulo, 1,0. As duas maiores cidades do país têm quantidade razoável de equipamentos, mas, de acordo com os técnicos do Ipea, como acontece em todos os outros municípios, concentram os equipamentos em zonas centrais, o que dificulta o acesso da população.

No trabalho, só foram considerados leitos habilitados, aqueles portadores de respiradores. Segundo Pereira, há cerca de três vezes mais aparelhos desse tipo que leitos de UTI, o que coloca o país em posição muitas vezes inversa a de outras nações. Entretanto, a construção de novos leitos não seria trivial, o que impõe a racionalização geográfica da distribuição das vagas que estão sendo criadas.