Título: Salto de credibilidade
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/12/2005, Opinião, p. A12

Nem os mais críticos frente à política econômica se atreveram a maldizer o último capítulo no relacionamento entre o Brasil e o Fundo Monetário Internacional. A decisão do secretário do Tesouro, Joaquim Levy, de antecipar o pagamento de US$ 15,5 bilhões em débitos com vencimento em 2006 e 2007 não poderia vir em momento mais oportuno. As reservas internacionais dobraram em um ano, superando a marca dos US$ 50 bilhões líquidos. O fluxo de capitais rumo ao país permanece firme, ampliado pelo robusto saldo comercial e pela atratividade dos juros ainda elevados. O percentual da dívida atrelada ao câmbio foi reduzido a níveis inexpressivos. E as taxas de risco nos mercados internacionais encontram-se no patamar mais baixo desde o pós-guerra, propiciando captação de recursos em condições muito mais favoráveis. O ministro Antonio Palocci chegou a afirmar, no início do governo Lula, quando os mais radicais entre as fileiras petistas clamavam por uma guinada econômica, que o Brasil manteria o relacionamento com o FMI por um motivo simples, acima de quaisquer ideologias: não havia, no mundo, dinheiro mais barato. Agora, a realidade é outra. O prêmio pago aos investidores para aplicações nos títulos soberanos negociados no exterior flerta com o patamar inédito de apenas três pontos percentuais acima do rendimento oferecido pelos papéis de mesmo perfil do Tesouro dos Estados Unidos. A maré é tão favorável que houve espaço até para a emissão de bônus da dívida externa em reais, fato impensável há apenas dois ou três anos.

Os recursos do FMI tiveram papel fundamental em diversas crises financeiras enfrentadas pelo país ao longo das últimas duas décadas. Só para ficar nos exemplos mais recentes, livraram o Brasil da bancarrota na crise russa e na sucessão presidencial de 2002, quando os principais candidatos selaram um acordo de transição, em que se comprometiam a não buscar soluções heterodoxas para o fardo da dívida pública, acalmando os ânimos dos investidores.

Dinheiro com chancela do FMI, contudo, evoca turbulências financeiras. Recorrer a seus cofres suscita a imagem do consumidor que vive às voltas com dívidas no cheque especial ou no rotativo do cartão de crédito. Liquidar a fatura, antes do prazo, além de representar uma economia de US$ 900 milhões em juros, pavimenta a pista para um salto na credibilidade nacional. Um salto importante na jornada rumo ao sonhado grau de investimento, selo de qualidade atribuído pelos investidores aos países que oferecem risco próximo a zero.

Curiosamente, a boa nova trazida pelo divórcio amigável com o FMI coincide com o pior momento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como revelam os dados da pesquisa CNI/Ibope. Uma leitura mais atenta dos números, no entanto, antecipa tendência de recuperação, a pouco menos de um ano da sucessão. E, a despeito do que pensam muitos petistas de carteirinha, a economia é, cada vez mais, o grande patrimônio da atual administração. Como nos EUA e na Inglaterra, onde George W. Bush e Tony Blair tinham dificuldades políticas às vésperas de enfrentar as urnas, no Brasil o motor dos resultados eleitorais promete ser econômico.

É importante que o governo faça mea-culpa, assumindo eventuais erros na condução das políticas econômica e monetária, muitas vezes detectados antes pela imprensa. Mas também cumpre aos veículos de comunicação aplaudir os sucessos, que não foram poucos ao longo destes últimos anos.

Não há atalho para o Primeiro Mundo. O caminho é longo e ardiloso. Desvios se oferecem a todo instante, mas podem custar caro. Mais caro do que o país suportaria pagar.