O Globo, n. 32491, 22/07/2022. Política, p. 4

Sob pressão

Mariana Muniz
Aguirre Talento


Cobrado por procuradores e partidos de oposição a se posicionar sobre as ameaças feitas pelo presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, divulgou ontem declarações gravadas há dez dias nas quais defende as urnas eletrônicas e diz não aceitar “alegações de fraude”.

O vídeo, postado em uma rede social, exibe logo no início uma nota no qual cita os “últimos acontecimentos do país”, mas sem qualquer menção a Bolsonaro ou aos ataques feitos por ele. A maneira utilizada pelo chefe do Ministério Público Federal para defender o processo eleitoral foi considerada insuficiente por integrantes do Ministério Público Federal ouvidos pelo GLOBO.

A manifestação de Aras ocorreu três dias após Bolsonaro reunir cerca de 70 embaixadores e representantes de países estrangeiros no Palácio da Alvorada para apresentar suspeitas, sem provas, a respeito das eleições no país, numa escalada dos ataques que têm feito ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). As declarações do presidente foram desmentidas no mesmo dia pelas duas instituições.

— Nós não aqui aceitamos alegação de fraude porque nós temos visto o sucesso da urna eletrônica ao longo dos anos, especialmente no que toca à lisura dos pleitos — diz Aras no vídeo, que reproduz trechos de uma entrevista concedida por Aras a correspondentes estrangeiros no dia 11 de julho, na sede da PGR.

Na terça-feira, um grupo de 43 procuradores do Ministério Público Federal assinou pedido para que o procurador-geral da República abra uma investigação sobre os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral. Eles afirmam que a conduta do presidente “afronta e avilta a liberdade democrática” e pode configurar ilícitos eleitorais decorrentes do abuso de poder.

O movimento dos procuradores ocorreu no mesmo dia em que cresceu apressão externa para que Aras se posicionasse. Um grupo de dez deputados de oposição pediu ao Supremo que Bolsonaro seja investigado em razão dos ataques infundados às urnas. Para eles, houve “a prática de um dos chamados crimes de lesa-pátria ou de traição contra seu povo”. O processo também deve ser enviado a Aras para análise sobre possível prática de crimes comuns.

Oficialmente, Aras está de férias. Por isso, segundo integrantes da PGR, ele deve deixar o assunto para análise da vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, ou do vice-procurador-geral-eleitoral, Paulo Gonet.

Seu vídeo, contudo, foi recebido com ceticismo por procuradores. Para eles, seria uma tentativa de diminuir a pressão sem tomar uma medida efetiva. As críticas ficaram concentradas no fato de as declarações serem antigas e, na avaliação deste integrantes do Ministério Público, não representarem uma defesa efetiva das instituições democráticas.

Na primeira providência prática a respeito das declarações de Bolsonaro contra as urnas, o presidente TSE, ministro Edson Fachin, deu ontem cinco dias para o presidente se manifestar a respeito de pedidos feitos por partidos de oposição para que sejam excluídos das redes sociais os vídeos da reunião com embaixadores.

 Reação internacional

Após o evento de segunda-feira, a embaixada do Reino Unido divulgou ontem nota na qual reafirma a confiança nas urnas eletrônicas e na segurança das eleições brasileiras. “Acreditamos na força da democracia do Brasil, que conta com instituições sólidas e transparentes. Em eleições passadas, o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas se mostraram seguras e passaram a ser reconhecidas internacionalmente por sua celeridade e eficiência”, diz um trecho do documento.

Foi o segundo país a reagir aos ataques de Bolsonaro, indicando uma falta de apoio do presidente no cenário internacional. O primeiro país a se manifestar em defesa do sistema eleitoral brasileiro, ainda na terçafeira, havia sido os Estados Unidos.

Além das embaixadas, as urnas foram defendidas até mesmo pelo ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, um dos coordenadores da campanha à reeleição de Bolsonaro. Em entrevista ao SBT, ele afirmou confiar no sistema de votação, mas defendeu o presidente dizendo que ele tem o “direito” de levantar suspeitas.

Diante das ameaças, o ex-presidente da República José Sarney defendeu a democracia e o Poder Judiciário em uma solenidade da Academia Brasileira de Letras (ABL), na quarta-feira.

— Fui o presidente que conduziu a transição democrática, tenho a responsabilidade pessoal de defendê-la. Ela se consolidou pela prática continuada de eleições livres, sob a vigilância segura do Supremo Tribunal Federal.

INSTITUIÇÕES EM DEFESA DO SISTEMA ELEITORAL

TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL (TSE)

“Há um inaceitável negacionismo eleitoral por parte de uma personalidade importante.”

EDSON FACHIN, PRESIDENTE 

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF)

“O ministro Luiz Fux repudia que haja tentativa de se colocar em xeque mediante a comunidade internacional o processo eleitoral e as urnas eletrônicas.”

LUIZ FUX, PRESIDENTE 

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ)

“O Estado Democrático de Direito requer a defesa desse sistema, sem que jamais tenha havido evidência concreta de fraude, e a rejeição, por todas as instituições do Estado, de qualquer tentativa de desacreditá-lo.”

JORGE MUSSI, PRESIDENTE EM EXERCÍCIO

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (TCU)

“O TCU manifesta sua total confiança nas instituições eleitorais e no sistema de votação do país”

ANA ARRAES, PRESIDENTE

SENADO

“A segurança das urnas e a lisura do processo eleitoral não podem mais ser colocadas em dúvida.”

RODRIGO PACHECO, PRESIDENTE

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

“A OAB reitera sua confiança no sistema eleitoral brasileiro, reconhecido internacionalmente como eficiente e confiável.”

BETO SIMONETTI, PRESIDENTE

ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS (AMB)

“O sistema de votação eletrônico é considerado um modelo de sucesso em todo o mundo. (...) Nunca se comprovaram fraudes.”

RENATA GIL, PRESIDENTE

ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PROCURADORES DA REPÚBLICA (ANPR)

“A disputa eleitoral não pode servir de instrumento para (...) disseminar informações inverídicas, que tentem confundir o eleitorado.”

POR NOTA

ASSOCIAÇÃO DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL (AJUFE)

“A Ajufe (...) manifesta seu irrestrito apoio ao TSE e seus ministros e ministras, confiando na absoluta lisura do certame eleitoral que se avizinha.”

POR NOTA

ASSOCIAÇÃO DOS DELEGADOS DA POLÍCIA FEDERAL (ADPF), A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS PERITOS CRIMINAIS FEDERAIS (APCF) E FEDERAÇÃO NACIONAL DOS DELEGADOS DE POLÍCIA FEDERAL (FENADEPOL)

“É importante reiterar que as urnas eletrônicas e o sistema eletrônico de votação já foram objeto de diversas perícias e apurações por parte da PF e que nenhum indício de ilicitude foi comprovado nas análises técnicas.”

NOTA CONJUNTA

UNIÃO DOS PROFISSIONAIS DE INTELIGÊNCIA DE ESTADO DA ABIN

“A criptografia de Estado e os sistemas de assinatura digital desenvolvidos e aperfeiçoados por nossos servidores fazem parte do ecossistema completo de barreiras que tem resistido com sucesso às diversas tentativas de ataque executadas durante testes públicos de segurança da plataforma, como reconhece publicamente o TSE.”

POR NOTA

EMBAIXADA DOS ESTADOS UNIDOS NO BRASIL

“As eleições brasileiras, conduzidas e testadas ao longo do tempo pelo sistema eleitoral e instituições democráticas, servem como modelo para as nações do hemisfério e do mundo.”

POR NOTA

EMBAIXADA DA ITÁLIA NO BRASIL

“Desejo ao Brasil uma campanha eleitoral democrática, sem interferências, onde prevaleça o senso de responsabilidade.”

FRANCESCO AZZARELLO, EMBAIXADOR

DEPARTAMENTO DE ESTADO DOS EUA

“As eleições têm sido conduzidas pelo sistema eleitoral brasileiro, capacitado e testado ao longo do tempo.”

NED PRICE, PORTA-VOZ

EMBAIXADA DO REINO UNIDO

“Reafirmamos nossa confiança no bom funcionamento do processo democrático do Brasil.”

POR NOTA

EMBAIXADA DA SUÍÇA NO BRASIL

“Desejamos ao povo brasileiro que as próximas eleições sejam mais uma celebração da democracia e das instituições.”

PIERRE LAZZERI, EMBAIXADOR

ASSOCIAÇÃO DOS DIPLOMATAS BRASILEIROS (ADB)

“Desde implantação (do sistema eletrônico de votação, em 1996), a diplomacia brasileira testemunhou elevados padrões de confiabilidade que se tornaram referência internacional.”

MARIA CELINA DE AZEVEDO RODRIGUES, PRESIDENTE