O Globo, n. 32494, 25/07/2022. Política, p. 4
Convenção do PL
Bernardo Mello
Jan Niklas
Em um discurso de quase 70 minutos na convenção que homologou sua candidatura à reeleição, ontem, no Rio, o presidente Jair Bolsonaro (PL) acenou seguir o script orientado por lideranças políticas de sua campanha, ao enaltecer ações de seu governo na parte inicial, mas encerrou com incentivos à radicalização da militância bolsonarista e ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em meio a elogios a políticos do Centrão, como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP- AL), e ofensas ao ex- presidente Lula (PT), que lidera as pesquisas de intenções de voto, Bolsonaro voltou a sugerir que tem o apoio das Forças Armadas, fez referências veladas a supostas fraudes nas eleições e conclamou seus apoiadores a irem às ruas “pela última vez” no próximo dia 7 de setembro, mesma data em que, no ano passado, participou de manifestações antidemocráticas.
No momento mais radicalizado de seu discurso, Bolsonaro referiu-se aos ministros do Supremo como “surdos de capa preta ”, e disse que eles teriam de entender “o que é a voz do povo ”. Mais à frente, dirigindo-se a seus apoiadores, afirmou que há um “casamento” e um “compromisso de sangue” entre eles para “levar o Brasil a um porto seguro” e combater “práticas nefastas do passado”.
— Convoco todos vocês agora para que no Sete de Setembro vá às ruas pela última vez. Esses poucos surdos de capa preta têm que entender o que é a voz do povo. Tem que entender que quem faz as leis é o Poder Legislativo e o Executivo. Todos têm que jogar dentro das quatro linhas da Constituição — disse o presidente.
No fim de sua fala, Bolsonaro alternou referências ao Exército e ao que chamou de “exército do povo”. Após o sistema de alto-falantes do evento entoar uma vinheta em ritmo de marcha militar, o presidente citou indiretamente acusações de fraudes no processo eleitoral, veiculadas nos últimos meses por ele mesmo e por seus apoiadores sem apresentar quaisquer evidências que as sustentem.
O presidente também fez referências veladas à participação das Forças Armadas em uma comissão montada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE ), com o objetivo de ampliar a fiscalização e transparência sobre o processo eleitoral, ao dizer que o Exército “não admite fraude” e “merece respeito”. Em audiência na Câmara há duas semanas, o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, cobrou do TSE que acolhesse sugestões feitas pelos militares na comissão. Em nota divulgada na última terça, o TSE disse que as propostas “indicadas como não acolhidas” pelo ministro foram analisadas e encaminhadas de acordo com a legislação eleitoral em vigor.
— Nós, militares, juramos dar a vida pela pátria. Todos vocês aqui juraram dar a vida pela sua liberdade. Eu juro dar a vida pela minha liberdade, repitam. Esse é o nosso Exército. O exército do povo. É o Exército que não admite corrupção, não admite fraude. Que quer transparência, que merece respeito. E que vai ter. Esse é o exército que nos orgulha. O exército de 210 milhões de pessoas — disse o presidente.
Bolsonaro chegou ao ginásio do Maracanãzinho, local da convenção do PL, pouco depois das 11h, acompanhado pelo candidato a vice, Walter Braga Netto (PL), pela primeira-dama Michelle Bolsonaro e por seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o vereador do Rio Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) não foram à convenção, assim como o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete Segurança Institucional. Antes do discurso do presidente, a primeira-dama falou à militância, em um discurso com forte apelo religioso.
Lira — recebido de forma fria pela militância bolsonarista ao ser anunciado no palco do evento —foi citado duas vezes por Bolsonaro, como “grande aliado” do governo e seu “amigo de longa data”.
— Graças a ele conseguimos aprovar leis que puderam baixar o preço dos combustíveis — disse o presidente, antes de listar outros projetos benéficos ao governo aprovados pela Câmara.
—Se não é o Arthur Lira, esse cabra da peste de Alagoas, não teríamos chegado a esse ponto.
Rodeado de aliados já condenados por corrupção —Valdemar Costa Neto, condenado e preso no mensalão do PT; o ex-governador José Roberto Arruda, cassado e preso no mensalão do DEM; e o ex-presidente Fernando Collor, alvo de impeachment —, Bolsonaro defendeu sua gestão, dizendo que “não tem jeitinho no nosso governo”:
—Três anos e meio sem corrupção.
Alvos de investigação
No entanto, nesse péríodo, a gestão de Bolsonaro já acumula acusações e investigações que envolvem ministros e importantes estruturas de governo, como os ministérios da Saúde e da Educação e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).
Bolsonaro também acenou a mulheres, jovens e moradores do Nordeste, grupos em que as pesquisas apontam maior rejeição ao presidente.
O presidente endureceu o discurso, no entanto, ao citar a gestão da pandemia da Covid-19, momento em que atacou governadores do Nordeste por medidas restritivas que visavam a diminuir o ritmo de contágio pelo vírus. Ao citar o ex-presidente Lula, a quem chamou de “ladrão” e “cachaceiro”, Bolsonaro indicou que pode participar de debates na campanha:
— Não tenho nem adjetivo para qualificá-lo (Lula) neste momento. Quem sabe num debate, caso ele esteja presente.