Título: Brasil e Europa em confronto
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Fonte: Jornal do Brasil, 15/12/2005, Economia & Negócios, p. A18

Aumentou a temperatura na discussão entre União Européia e países em desenvolvimento no debate em torno da retirada dos subsídios agrícolas pelas nações ricos. Para a ministra francesa de comércio exterior, Christine Lagarde, Brasil e outros países da Organização Mundial do Comércio (OMC) querem tirar da União Européia (UE) ''até a roupa íntima''.

Lagarde reagiu assim a perguntas sobre os pedidos com relação à agricultura do Brasil e outros integrantes da OMC, para que os países desenvolvidos ponham fim aos subsídios para a exportação de produtos agrícolas. A UE é considerada a maior resistência à flexibilização do apoio aos agricultores, o que reduz a competitividade de produtos das nações em desenvolvimento frente aos europeus.

- Minha resposta é não - afirmou taxativa e denunciou que apesar da oferta agrícola apresentada pela UE, outros países ''querem ainda mais concessões'', não se dão por satisfeitos e, pelo contrário, ''não apresentam nada em troca''. - Querem tirar tudo de nós, até a roupa íntima - resumiu.

A última oferta européia propõe uma redução média de 46% de tarifas aos produtos agrícolas (60% em alguns casos) e também um corte de 70% em subsídios que distorcem o comércio. A UE aceita o fim dos subsídios à exportação e é neste capítulo da negociação agrícola onde Brasil e outros países pediram uma data, o que provocou o comentário de Lagarde. O G20 - grupo de países em desenvolvimento liderado pelo Brasil - defende a data limite de 2010.

- Depois de tantos anos (deveria dizer décadas ou séculos?) remanescentes do feudalismo têm existido lado a lado com outras formas de privilégios inaceitáveis - afirmou o ministro de Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim. - Os países pobres não podem esperar esperar outros 20 anos para ver reformas no comércio agrícola. A hora de agir é agora.

O ministro disse ainda que os países ricos ''não podem esperar receber pagamento por fazer o que deveriam ter feito muito tempo atrás'', em referência à exigência de que os países pobres reduzam suas barreiras ao comércio de produtos industriais e serviços sem uma contrapartida proporcional nos mercados agrícolas das nações desenvolvidas.

O clima de negociação piorou também porque a União Européia resolveu colocar sobre a mesa temas antes não incluídos na rodada, como as discussões para abertura dos países em desenvolvimento para compras governamentais.

Segundo o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, o G-20 defendeu ontem o avanço na fixação de uma data para eliminação dos subsídios às exportações agrícolas para que a reunião de Hong Kong não seja um fracasso total.

Com o impasse nas negociações de acesso a mercado e apoio financeiro interno dados pelos países desenvolvidos aos seus produtores, o ministro afirmou ainda que espera a aprovação da abertura de mercados aos países mais pobres, com completa eliminação de barreiras aos seus produtos. Segundo Rodrigues, essa decisão atenderá às pressões das organizações não-governamentais (ONGs) e mostrará que o encontro não foi um fracasso.

- Não existe um horizonte negativo para o Brasil neste momento. O não-acordo aqui em Hong Kong não significa uma perda definitiva. A perda definitiva seria um acordo ruim - disse Rodrigues.

Segundo o ministro, os países iniciaram a reunião em Hong Kong convencidos de que será necessária a chamada Hong Kong 2, em abril ou maio do próximo ano. Para ele, é necessário definir uma agenda mínima de ambição para a possível nova reunião.

Rodrigues, alheio ao que tinha dito a ministra francesa, afirmou que há dúvidas sobre o momento certo dos países do Sul fazerem a oferta de produtos não-agrícolas. Rodrigues disse que se for apresentada a posição de imediato, esses países não irão conseguir nada em troca.

Com Kelly Oliveira