Título: Pizza com sabor indecoroso
Autor: Renata Moura e Sergio Duran
Fonte: Jornal do Brasil, 16/12/2005, País, p. A3

O dia seguinte da sessão que absolveu o deputado Romeu Queiroz (PTB-MG) foi de suspeitas de um acordo arranjado por parlamentares de partidos envolvidos no esquema do ¿mensalão¿ para livrar seus pares, também ameaçados pela degola. Os comentários na Câmara passavam por perplexidade e recriminação depois que, com quórum de 443 dos 513 deputados, Queiroz teve 250 votos a favor contra 162 contrários, 22 abstenções, 8 brancos e um nulo. O presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP) mostrou preocupação e admitiu que a decisão pode beneficiar outros deputados investigados. ¿ Quebraram uma tradição de não seguir o voto do conselho. Não posso dizer que abre um precedente, mas é ruim ¿ disse Izar.

Mais tarde o presidente do conselho argumentou que a absolvição pode estabelecer um parâmetro de julgamento que possibilita livrar deputados como Roberto Brant (PFL-MG), João Paulo Cunha (PT-SP) e Professor Luizinho (PT-SP) da cassação. A linha de defesa dos três parlamentares segue a cartilha usada por Queiroz. Eles negam ter usado o dinheiro do valerioduto para gastos da própria campanha.

Entre os conselheiros é praticamente unânime a interpretação de que todos os representados respondem à mesma acusação que Romeu. Todos, portanto, poderiam ter o mesmo destino.

Conselheiros e oposição durante o dia manifestaram preocupação e repúdio ao que classificaram de ¿goleada¿ aplicada por Queiroz. Integrante do conselho, Nelson Trad (PMDB-MS), que leu o relatório no lugar de Josias Quintal, internado no dia da votação, se disse ¿muito preocupado¿ com ¿acertos¿ que possam ter ocorrido.

¿ Está claro que houve trabalho político. Não somos ingênuos, estamos numa casa política, não num convento, disse Trad.

A suspeita é que parlamentares do PT, PP e PL teriam votado favoravelmente a Queiroz e, em troca, receberiam apoio dos petebistas para seus próprios pares, à beira da cassação. O PFL também teria apoiado. Todas legendas que têm parlamentares processados pelo Conselho de Ética da Casa. O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) levantou a hipótese de que há uma tendência de que os três parlamentares citados por Izar devam ser preservados.

¿ Há um acordo claro. A absolvição foi um marco regulatório de uma espécie de valério-indulto de natal que será utilizado por outros. A Câmara está trabalhando com uma lógica diferente do Conselho de Ética ¿ alertou.

Os rumores dão conta que para escapar, Queiroz também teve a ajuda de vários e poderosos ¿padrinhos¿. Entre eles, o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, do PTB, que passou a semana telefonando para parlamentares, pedindo votos. Nos anos 90, Guia era secretário do governo de Hélio Garcia em Minas, enquanto Queiroz presidia a Assembléia Legislativa.

Outro apoio importante seria a simpatia do grupo ligado ao governador de Minas, Aécio Neves (PSDB). Os tucanos mineiros também têm boa relação com Queiroz e estão fragilizados com a relação do senador Eduardo Azeredo (MG) no valerioduto.

O líder do bloco de oposição na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), afirmou que ¿os números podem sugerir que houve um acordo¿, mas negou que o partido tenha participado.

Partidários de Queiroz dizem, no entanto, que pelo menos dez integrantes da bancada pefelista (que tem 61 deputados) votaram contra a cassação, uma vez que o processo do petebista guarda semelhanças com o de Roberto Brant. Ambos receberam dinheiro ¿não-contabilizado¿ da Usiminas por meio da agência SMPB, da qual Marcos Valério foi sócio.

O líder petebista na Câmara, José Múcio (PE), lembrou que pesaram os contatos políticos e a biografia de Romeu Queiroz.

¿ A vida política do deputado, que é muito bem relacionado em Minas, foi fundamental. Eu diria que Minas inteira votou com ele. Só aí são 53 votos.

O próprio Queiroz creditou sua vitória a um ¿trabalho corpo a corpo¿ afirmando que teria conversado ¿pacientemente com cada deputado dessa Casa¿. Queiroz teria contabilizado 50 apoios de 81 deputados petistas. Ao terminar seu discurso, o petebista previu que seria absolvido e calculou que teria 300 votos.

¿ Pelo menos 100 deputados trabalharam para fazer justiça a meu mandato ¿ disse.

Contribuiu, além disso, o que foi considerada uma atitude ¿humilde¿ de Queiroz, que não quis recorrer ao Supremo Tribunal Federal, em contraste com a atitude desafiadora de José Dirceu (PT-SP).

¿ Ele, de forma inteligente, mandou para todos os deputados uma carta com os elogios que recebeu de integrantes do próprio Conselho de Ética ¿ disse o deputado Luiz Antônio Fleury (PTB-SP).

O presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC), atacou o presidente da Câmara, Aldo Rebelo: ¿ Foi resultado surpreendente, a votação não deveria ter sido feita num dia atípico, no final de legislatura.