O Globo, n. 32499, 30/07/2022. Saúde, p. 17

Sinal de alerta

Bernardo Yoneshigue
Constança Tatsch
Giulia Vidale
Paula Ferreira
Melissa Duarte


O Ministério da Saúde confirmou ontem a primeira morte de um paciente com varíola dos macacos (ou monkeypox) no Brasil, na cidade de Belo Horizonte, em Minas Gerais. O caso foi o primeiro óbito do surto mundial registrado fora do continente africano, onde a doença é endêmica. Algumas horas mais tarde, a Espanha também anunciou que havia registrado um caso fatal da infecção.

Segundo comunicado da pasta, o paciente brasileiro tinha 41 anos, apresentava comorbidades e tinha a imunidade prejudicada por estar passando por uma quimioterapia para tratar um linfoma. Ele estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital público da capital mineira e morreu devido a um choque séptico, quando a infecção se alastra pelo corpo. A Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais informou que o óbito foi registrado na quinta-feira.

De acordo com integrantes do ministério, a pasta deve agora intensificar as ações de vigilância contra a doença. Ontem, começaram a funcionar o Centro de Operações de Emergências (COE), que terá a tarefa de traçar um plano de contingência para o monkeypox, e o comitê emergencial da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para dar aval a vacinas e medicamentos.

Vazio de ações

Especialistas, no entanto, cobram ações mais firmes do governo. Alexandre Naime Barbosa, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), alerta para a demora no anúncio de políticas concretas:

— No Brasil já tem mil casos, uma morte, e estamos vendo só a ponta do iceberg, mas não há uma política assertiva. As pessoas que estão mais em risco são os homens que fazem sexo com homens, há uma transmissão sustentada nesse grupo, por isso a orientação de diminuir número de parceiros e evitar sexo com desconhecidos. Mas é preciso lembrar que a doença é global. Já temos casos de grávidas, crianças, ou seja, vai se democratizar. E para isso não causar mais óbitos precisamos de planejamento.

Na avaliação da epidemiologista Ethel Maciel, professora da Universidade Federal do Espírito Santo, o Brasil repete os mesmos erros cometidos com a Covid-19 e demora a tomar medidas efetivas.

— Enquanto alguns países já começaram a vacinação e estão com acesso ao antiviral, o TPOXX, nós não temos nada aqui no Brasil. Se alguém do grupo vulnerável fica doente, nós não temos o que oferecer hoje. O Brasil está demorando muito para decretar emergência de saúde pública de importância nacional, decreto que facilitaria as negociações de vacinas e medicamentos para a doença — diz Maciel, pósdoutora em epidemiologia pela Universidade de John Hopkins, nos EUA.

No início de julho, o Ministério da Saúde desmobilizou a sala de situação criada para monitorar a doença no país, medida que foi amplamente criticada. A pasta argumentou que a decisão foi tomada porque a estratégia de combate à doença foi incorporada à rotina do órgão.

Vacinas

Ontem, o ministério anunciou que deve receber as primeiras vacinas para a doença em setembro. O cronograma preliminar prevê a entrega de pouco mais de 20 mil doses na primeira remessa e, depois, em novembro, o restante para completar as 50 mil doses encomendadas. Os imunizantes serão destinados a profissionais de saúde e a contactantes de infectados. A pasta pretende lançar em agosto uma campanha de conscientização sobre a doença.

— Gostaríamos de tranquilizar toda a população de que a varíola dos macacos é uma doença viral de baixíssima letalidade. As últimas informações da OMS temos mais de 20 mil casos e apenas cinco óbitos. Diferentemente da Covid, a transmissão se dá apenas por contato direto em feridas infecciosas e fluidos corporais. O Ministério da Saúde tem monitorado de forma diuturna o comportamento do vírus — afirmou o secretário-executivo da pasta, Daniel Pereira.

Mais cuidados

Para os médicos, no entanto, o cenário atual reforça a necessidade de tratar a doença com mais atenção.

— A morte aumenta a preocupação da comunidade cientifica em relação à possível gravidade dessa doença, principalmente em imunossuprimidos, que podem desenvolver casos mais graves. Aqui, a população imunossuprimida chega a 1%, o que representa 2 a 3 milhões de pessoas. O potencial de complicações é grande e o custo da monkeypox pode ser alto — ressalta Naime Barbosa.

No último sábado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a situação do vírus monkeypox como emergência de saúde pública internacional. Informações do último relatório da OMS sobre o assunto, publicado na segunda-feira, mostram que entre 1º de janeiro e 22 de julho, cinco mortes pela doença foram confirmadas no mundo. Todas no continente africano. Hoje há mais de 26 mil diagnósticos positivos em ao menos 75 países.

No Brasil, segundo Ministério da Saúde, são 1.066 pessoas infectadas pelo vírus, sendo 823 só no estado de São Paulo. Foram registradas também 513 suspeitas que estão em monitoramento.

O Grupo Fleury, um dos primeiros do país a oferecer teste para diagnóstico da doença na rede privada, relatou aumento da positividade dos resultados dos exames para a infecção realizados nas últimas três semanas. Entre os dias 1 e 9 de julho, a taxa foi de 18%. Subiu para 36% na semana seguinte e chegou a 47% entre 17 e 23 de julho.

Em nota, a Sociedade Brasileira de Infectologia e a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) reforçam a preocupação de que haja subnotificação de casos. “Como o quadro clínico pode se assemelhar ao de outras afecções, como ISTs e outras condições e dermatoses, é bem provável que a doença seja subdiagnosticada”, escreveram. Diante disso, as sociedades alertam a população, a classe médica e os demais agentes de saúde sobre o aparecimento de lesões cutâneas na região anogenital.