O Globo, n. 32499, 30/07/2022. Brasil, p. 9

Paisagem a ser ouvida

Pâmela Dias


O resultado prévio de um estudo de pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale (ITV) mostra a variedade de sons dos animais da Amazônia que pode se perder com as mudanças climáticas e o avanço do desmatamento. O trabalho, em parceria com o Museu Emílio Goeldi, do Pará, e apoio de um pesquisador do Museu Naturalis de Leiden, na Holanda, já analisou cerca de 7 mil minutos da vida na Floresta Nacional de Carajás, no Sudeste do Pará. Mais de 12 mil minutos foram captados em 14 pontos de mata. Entre os animais que já foram identificados estão os pássaros Curicaurubu e Cricrió, o cachorro vinagre, a ariranha, macacos cuxiú e bugio, além da suçuarana, da família das onças-pardas. A sonoridade de cerca de 230 espécies de aves foi registrada.

Um minuto por hora

Para coletar os sons, aparelhos programados para gravar 24 horas foram fixados em árvores a aproximadamente dois metros do solo. Cada aparelho grava um minuto a cada uma hora. Com a ajuda de computadores, a equipe, de biólogos com diferentes especialidades, como taxonomia e ecologia, faz a análise dessa paisagem sonora.

— Os sons são usados para estimar a biodiversidade. Áreas com muitos sons diferentes indicam maior diversidade da fauna. É possível usar o método para indicar se uma espécie ocorre na área; se ela é rara; se tinha sido registrada anteriormente, mas não existe mais na região — explica Tereza Giannini, pesquisadora do ITV e professora de PósGraduação em Zoologia da Universidade Federal do Pará.

As gravações revelam que o som da Amazônia muda ao longo do dia. Há um pico de sons diferentes e mais fortes por volta das 11h e 12h. Às 17h, a sonoridade é bem reduzida. À noite, volta a ficar intensa. Outro ponto é a similaridade entre os sons nas 14 áreas investigadas, que chegam a ficar aproximadamente 1,5 km distantes umas das outras.

— Um conhecimento mais profundo sobre a dinâmica da fauna é importante para qualquer decisão sobre conservação ou restauração —explica Tereza.

Registro de ave rara

De acordo com a pesquisadora, as mudanças globais, especialmente as climáticas, podem fazer com que animais que se adaptam mais facilmente passem a viver em todos os lugares, enquanto os mais sensíveis às alterações podem se extinguir nos locais afetados. Os estudos registraram o canto de espécies em perigo, como a Pyrilia vulturina, conhecida como a curicaurubu, classificada como vulnerável na lista de aves ameaçadas de extinção do Brasil. Ela é encontrada no Sul do Amazonas, no Pará e no Maranhão. Das gravações, apenas em um único ponto houve registro do pássaro.

— Não esperávamos ouvir, é uma espécie das mais raras. Foi uma satisfação — celebra Tereza.

Um dos animais que têm um som característico em Carajás é o Lipaugus vociferans, ou cricrió. É uma das aves mais barulhentas e ouvidas em toda a região. O pássaro é conhecido como A Voz da Amazônia — embora habite também em parte da Mata Atlântica.

A pesquisa integra estudos sobre o Capital Natural da Floresta Nacional de Carajás e será desenvolvida até 2023. O objetivo dos levantamentos, ambos do ITV, é mapear o estoque de recursos naturais da floresta e analisar como ele contribui para a absorção do carbono, regulação do clima, proteção da água e da própria biodiversidade.

O projeto Capital Natural busca também compreender as interações da natureza entre flora e fauna. Muitos animais auxiliam na reprodução das plantas como os polinizadores e dispersores de sementes, ou no combate a pragas, ao se alimentar de certos insetos. — Conhecer a biodiversidade é fundamental para protegê-la — ressalta o diretor do ITV, Guilherme Oliveira.