Título: O mundo rural em debate
Autor: Osvaldo Russo
Fonte: Jornal do Brasil, 16/12/2005, Brasília, p. D2

Em março do próximo ano, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), com apoio do governo brasileiro, à frente o Ministério do Desenvolvimento Agrário, estará realizando, em Porto Alegre, o 2º Congresso Mundial sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural - o primeiro foi em 1979, em Roma, na Itália. Será uma ótima oportunidade de se debater a democratização do acesso à terra e o estágio de desenvolvimento das comunidades rurais em todo o mundo.

Não é de hoje, vários especialistas têm reforçado a tese de que somos contemporâneos de um novo mundo rural no Brasil, com características próprias e comuns em diferentes regiões do país. Valores e modos de vida propiciando o desenvolvimento de atividades não agrícolas em território rural. É como se dormíssemos encantados com esse novo mundo e, ao acordarmos, visualizássemos pelo menos quatro mundos: dois novos e dois velhos.

Os dois novos mundos rurais ora vivem em harmonia ora em confronto. O mais poderoso, economicamente, é o mundo do agronegócio. O outro é o da agricultura familiar, mais numeroso socialmente. Os dois têm elos em comum e disputam entre si regulação e financiamento. Enquanto o mundo empresarial bate recordes na balança comercial brasileira, o mundo familiar ganha escala crescente no abastecimento do mercado interno.

Já os outros dois - os velhos - são traços vivos da nossa herança colonial e escravista - a desigualdade entre a minoria dos com muita terra improdutiva e a multidão dos sem terra. Enquanto existir uns, os outros subsistirão. Enquanto houver terra sem produção haverá sem terra querendo terra para produzir - razão primeira que alimenta a luta pela terra no Brasil e em vários outros países. Mas tanto os velhos como os novos mundos rurais podem ser reagrupados em dois outros mundos: o do incluídos e o do excluídos.

O governo Lula tem empreendido esforço notável no combate à fome e à pobreza, adotando programas sociais como o Bolsa Família que hoje atende a mais de 8 milhões de famílias no país - em 2006 serão mais de 11 milhões - e o Pronaf que assegura apoio aos agricultores familiares e assentados da reforma agrária, de modo que eles ingressem e se mantenham social e economicamente incluídos. Nesse setor, saltamos de R$ 2 bilhões de crédito, em 2002, para R$ 7,5 bilhões, neste ano - em 2006, serão R$ 9 bilhões. Destacam-se também o Benefício de Prestação Continuada (BPC) que hoje beneficia, com 1 salário mínimo mensal, 2,2 milhões de pessoas idosas ou com deficiência, cuja renda familiar per-capita era inferior a ¼ de salário mínimo, - em 2006, serão 2,6 milhões - e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) que está atendendo a 1 milhão de crianças e adolescentes, dos quais mais da metade na área rural - em 2006, serão 3 milhões.

Apesar dos avanços institucionais, das metas alcançadas e da luta dos movimentos sociais dos trabalhadores rurais, em relação ao acesso a terra temos muito que caminhar para garantir o acesso massivo deles ao mundo dos incluídos. Este constitui o maior desafio em razão da influência política ainda exercida pelo patronato rural e por outros setores conservadores e pelas limitações patrimonialistas da Constituição Federal, de 1988, que sucedeu ao Estatuto da Terra, de 1964, um marco histórico no ordenamento jurídico agrário brasileiro, mas uma lei proclamada e não cumprida nos 20 anos do regime autoritário.

Nesse 2º Congresso Mundial estarão em debate realidades rurais de diferentes países, as atuações dos movimentos sociais e um balanço crítico dos avanços, dificuldades e perspectivas das políticas públicas: reforma agrária, educação, combate à pobreza e às desigualdades, desenvolvimento sustentável, acesso à água e aos serviços básicos e garantia dos direitos humanos, sociais e socioassistenciais. É preciso continuar defendendo a agricultura de países em desenvolvimento diante do protecionismo dos países ricos. São vários mundos desafiando a visão de um novo mundo rural que se quer desenvolvido em suas múltiplas dimensões - em todo o planeta.