Título: Temor de instabilidade permanece
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Fonte: Jornal do Brasil, 17/12/2005, Internacional, p. A8

Rico ou pobre, indígena ou branco, de esquerda ou de direita, o boliviano que elege amanhã um novo presidente teme que o pleito possa gerar instabilidade. A disputa está polarizada entre o líder cocaleiro Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), que tem 34,2% das intenções de voto, e o ex-presidente de centro-direita Jorge Quiroga (da frente Podemos), com 29,9%. E a expectativa, não importa quem saia vencedor, é a de que a governabilidade não estará garantida.

- Há muito ressentimento pelo que aconteceu no passado recente. Isso aqui é ingovernável - afirmou o administrador de empresas Hugo Mirabal, morador da Zona Sul. - Se um candidato perde, não vai deixar o outro governar.

Os protestos de 2003 pela nacionalização da indústria do gás, que culminaram na renúncia de dois presidentes e em dezenas de mortes, ainda estão na memória dos moradores da capital administrativa.

Isso vale tanto para a elite, instalada na Zona Sul, uma área com suas lojas vistosas e carros de luxo, quanto para a empobrecida periferia indígena que fica no alto das montanhas ao redor de La Paz, a mais de 4 mil metros de altitude.

Perto da Zona Sul, duas irmãs da etnia aimara, vendedoras ambulantes de doces, apostam na mudança para equilibrar as diferenças desse país de 9,4 milhões de habitantes, onde 65% das pessoas vivem na pobreza.

- O MAS é um partido novo e é preciso dar-lhe uma chance - disse Monica Titona, 33 anos.

- Vamos fazer mais um esforço: um voto, dois votos são importantes. Um pouco mais de participação para liberar a Bolívia - discursou Morales no final de sua campanha, em seu bastião eleitoral, a região cocaleira de Chapare.

Nesta mesma noite de quinta-feira, o presidenciável afirmou que, se eleito, o Brasil terá que ''devolver'' as duas refinarias compradas pela Petrobras em 1999 - em Santa Cruz e de Cochabamba - por pouco mais de US$ 100 milhões. Salientou, entretanto, que buscará uma solução negociada com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A filial da Petrobras na Bolívia é a maior empresa no país andino, com negócios que representam quase 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Também controla cerca de 10% das reservas de gás natural nacional.

Ao mesmo tempo, é esta dependência de recursos estrangeiros para explorar o gás que pode colocar um limite na radicalização de Morales, acredita Eduardo Viola, professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

- Governe quem governe, seria irrealista uma quebra total de contratos com as petroleiras - conclui.

A busca por maior inserção indígena e mais direitos é sentida principalmente na periferia dos centros de poder.

-O Altiplano é uma das áreas mais pobres e esquecidas da Bolívia, foi marginalizada por todos os governos. Mas, dos últimos cinco anos para cá, o povo aimara está tomando consciência de sua dignidade - disse o bispo monsenhor Jesús Juárez, que se dedica aos moradores carentes no Altiplano.

A região, reduto de Morales, assemelha-se às favelas brasileiras, com um emaranhado de casas de tijolo aparente, ruas de pedra e terra, pequenos comércios e trânsito caótico. Cerca de 1 milhão de pessoas vivem no alto das montanhas.

Mesmo com a esperança de que um indígena possa pela primeira vez se tornar presidente da República, muitos moradores vivem um misto de esperança e ceticismo. Isso porque, se Evo não conquistar 50% dos votos no primeiro turno, quem decide a eleição é o Congresso, no fim de janeiro. Ali, porém, a expectativa é de que Quiroga tenha a preferência, pois está alinhado com as províncias ricas, comandadas por Santa Cruz de la Sierra, onde ficam os principais recursos naturais e a elite empresarial do país.

No entanto, uma rejeição do voto popular pode enraivecer os povos do Altiplano, responsáveis por bloquear as estradas a La Paz e conduzir os protestos dos últimos anos. E mesmo os mais engajados não agüentam mais convulsões sociais.

- Já derrubamos dois presidentes. Queremos paz - decretou o professor Victor Aliaga, morador do Altiplano.