Título: Baleada dentro de casa
Autor: Ana Paula Verly
Fonte: Jornal do Brasil, 17/12/2005, Rio, p. A11

Moradora de um edifício de luxo, com segurança particular, a artista plástica Ivone Florence Kanto, 60 anos, foi atingida na madrugada de ontem por uma bala perdida dentro do seu apartamento, na Avenida Oswaldo Cruz, no Flamengo. Ivone assistia TV com a família quando um tiro atravessou a porta de vidro da varanda e a feriu na cabeça. A residência da vítima fica no 6º pavimento do prédio 149, próximo à praia do Flamengo. A polícia ainda não sabe a origem do tiro, uma vez que não houve registro de disparos na região nesse horário e o morro mais próximo fica a três ruas do prédio. Ivone estava sentada no sofá, de costas para a varanda, quando o vidro estilhaçou. Com a bala alojada no crânio, ela foi levada pelo filho e pelo marido para a Clínica Pinheiro Machado, em Laranjeiras, onde está internada. Lúcida, ela deu entrada à 1h30 na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e foi submetida a uma tomografia computadorizada. O exame revelou fratura de mastóide (osso atrás da orelha esquerda) e leve contusão (lesão produzida por impacto) no mesmo lado. O ferimento não atingiu o sistema motor e ela respira de forma espontânea. Assistida por um neurocirurgião e bucomaxilofacial, a artista plástica não foi submetida a cirurgia.

Ao analisarem a radiografia, o médico e um perito conluíram que o projétil apresenta características de fuzil. O diretor do Instituto de Criminalística Carlos Éboli (ICCE), Liu Tsun, descartou a possibilidade de disparo a curta e média distância.

- Sabemos que não partiu dos prédios em frente, ou ela estaria morta. A bala a atingiu em uma trajetória descendente (de cima para baixo), quando já havia perdido força - explicou o perito.

De acordo com o diretor de Estudos e Estratégias de Segurança do Núcleo de Estratégias da Universidade Federal Fluminense, Ronaldo Leão, a bala de fuzil chega a atingir quatro quilômetros. Para ferir sem levar a morte, o projétil, segundo o especialista, pode ter percorrido uma trajetória de cerca de dois quilômetros.

- É provável que tenha subido até um quilômetro e, na queda, ter atingido a vítima sem força - concordou.

Policiais da 9ªDP (Catete) investigam a possibilidade de o disparo ter partido do Morro Azul, avistado a distância dos andares mais altos do edifício. Os inúmeros prédios no possível caminho da bala intrigam moradores do condomínio Signore Del Bosco, de 25 andares e três blocos.

- Todos ficaram em pânico. Não dá para entender como o bala conseguiu chegar até aqui, pois o morro fica na diagonal direita e na frente existem três camadas de prédios - reflete Pedro Costa, administrador do Signore Del Bosco, acrescentando que é a primeira vez que ocorre um caso de bala perdida no local, onde o condomínio chega a custar R$ 1.400 e o Imposto Predial e de Territorial Urbano (IPTU) R$ 2 mil.

Vizinhos de Ivone disseram que é comum ouvirem tiros, o que, no entanto, não aconteceu durante a madrugada.

- Estava acordada e não ouvi nada. Fiquei surpresa e apavorada quando soube. Agora não temos mais nem como evitar. Estamos totalmente vulneráveis à violência - preocupa-se a dona-de-casa Magda Oliveira, 75 anos. Para a polícia, o fato do estampido não ser ouvido é mais um indício de que o tiro partira de longe.

A apenas um prédio de distância da residência do comandante da Polícia Militar, coronel Hudson de Aguiar, os moradores também reclamam da violência que afeta todo o bairro.

- Há cerca de 15 dias houve um assalto em frente à casa do coronel. Os policiais que fazem a escolta dele trocaram tiros com os marginais. As fachadas dos prédios foram atingidas. Foi um tiroteio horrível. Não existe mais lugar seguro - lembrou Maria Aparecida, 59 anos, dona-de-casa.

Peritos do ICCE estiveram ontem no local. Apenas após o laudo, que fica pronto na próxima semana, será possível saber de onde partiu o tiro.