Título: Caçadores e cassados
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 17/12/2005, Opinião, p. A12

A absolvição do deputado Romeu Queiroz (PTB-MG) confirma o maior temor dos eleitores e dos brasileiros de maneira mais ampla: suas excelências, os nobres parlamentares, já começam a degustar as pizzas. Contra a recomendação de cassação do mandato por quebra de decoro parlamentar feita pelo Conselho de Ética, 250 caros colegas do petebista mineiro decidiram que ele não deveria ser punido por receber cheque de R$ 50 mil da agência SMPB de Marcos Valério Fernandes de Souza - sacado por um assessor - ou de se beneficiar de outros R$ 350 mil retirados das contas do Banco Rural. Assim, as duas centenas e meia de deputados que inocentaram Queiroz definiram que contabilidade paralela, dinheiro sem registro e sem destino certo, pagamento irregular e suspeito de garantir votos pró-governo Luiz Inácio Lula da Silva não são crime. Fica a impressão de que legislaram em causa própria. Ou, no mínimo, consideram que o fato de terem cassado os mandatos e direitos políticos do denunciante Roberto Jefferson e do suposto mentor do mensalão, José Dirceu, é o suficiente. Não é.

A sociedade reclama e exige muito mais. Quer julgamentos severos, exige punição, abomina o compadrio, repudia acordos e, o principal, registra e anota nomes daqueles que votaram contra a vontade dos seus eleitores. Ninguém está disposto a compactuar ou a dividir as pizzas com os senhores parlamentares. Eles ainda têm 10 chances para se redimir. Ou para marcar votos que convençam. Absolver indo contra a opinião de quem apurou o caso, ouviu testemunhas de defesa e acusação, levantou provas, consultou documentos - tarefas do Conselho de Ética - não é exatamente decidir com isenção.

O deputado Ricardo Izar, presidente do Conselho, foi o primeiro a levantar a voz. ''Quebraram uma tradição ao não seguirem a orientação dos conselheiros. Não posso dizer que isso abre um precedente, mas é ruim''. Na verdade, é péssimo. A absolvição abre caminho para a salvação dos outros.

Os deputados Roberto Brant, Professor Luizinho e o ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha, o primeiro do PFL de Minas, os outros dois, do PT paulista, apresentaram defesa que segue a cartilha ditada por Romeu Queiroz. Negam ter utilizado o dinheiro do valerioduto nas próprias campanhas. Alegam que aceitaram os recursos, bem-vindos e mal explicados, para ajudar outros companheiros em dificuldades para acertar o caixa eleitoral. Uma explicação pusilânime e nada convincente.

Melhor fariam os senhores deputados, antes de votar cada um desses e dos outros sete casos na fila, em ler as cartas de leitores dos jornais, em navegar pela indignação expressa em blogs, em centenas de comunidades do orkut, em ouvir as conversas em mesas de bar, as discussões em sofisticados ou simples restaurantes. A gritaria é generalizada, a irritação virou sentimento de comunhão entre brasileiros de pouco ou muita idade. Gritam contra a certeza de que parlamentares do PT, PP e PL votaram a favor de Queiroz para receber, em troca, o apoio do PTB a seus pares em julgamento. Esmurram o ar diante da constatação de que o PFL aderiu para preservar seu filiado na Câmara. Murmuram a contabilidade da bancada mineira que, independentemente das legendas, contribuiu em peso para a absolvição do conterrâneo. Bradam contra a boca-de-urna do deputado Mauro Passos (PT-SC) a favor de Queiroz, uma prática que a Justiça Eleitoral já condenou há várias eleições formais e poucas vezes se viu na Casa de forma tão aberta.

Como definiu o deputado Chico Alencar, o ex-petista que engrossa as fileiras do P-Sol, o acordo entre as legendas é líquido e certo. ''A absolvição é um marco regulatório, espécie de Valério-indulto de Natal. A Câmara trabalha com lógica diferente do Conselho de Ética''.

Uma lógica que vai contra a sociedade, que enterra de vez o slogan da ética na política, que premia o caixa 2, a ambição política, a ganância, a compra e venda de votos no Congresso. Os eleitores serão caçados no ano que vem pelos parlamentares que não o ouviram. E estes, correm o risco de serem cassados nas urnas.