Título: A santidade
Autor: D. Eugênio Sales
Fonte: Jornal do Brasil, 17/12/2005, Outras Opiniões, p. A13

Ao término de um ano e ao começar o Ano Novo, pareceu-me oportuno lembrar a inviolabilidade da lei de Deus. Com freqüência ouvimos dizer: ''Sou católico, mas não concordo com algumas normas de moral da Igreja'', ou então, ''sou católico, mas não concordo com certas posições do Vaticano''. Quem assim age, confessa a própria infidelidade ao Senhor Jesus. A Igreja é o Corpo Místico de Cristo e suprimir ou modificar suas diretrizes significa alterar, mesmo quando ocorrem motivos fortes. O ensinamento foi confiado pelo Redentor aos cuidados do Magistério. ''Os seus discípulos caminharam para a Galiléia (...) Jesus aproximando-se deles, disse: 'Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos (...) ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei. E eis que estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos''' (Mt 28,16-20). Reconheço que no mundo de hoje é particularmente difícil acatar, em sua integridade, o corpo doutrinário. A humanidade é envolvida por conceitos que induzem as criaturas a fracassar na obediência à doutrina ensinada. Alguns católicos arrogam a si o direito de aceitar ou não pontos doutrinais e disciplinares.

Essa situação se agrava por uma interpretação subjetiva dos mandamentos de Deus. Um falso conceito de liberdade, por vezes, afeta até os que assumiram solenemente o compromisso de seguir o caminho de Cristo, mesmo que isto lhes cause dissabores oriundos também de uma atmosfera anticlerical.

Tal atitude, bastante freqüente, infelizmente é mais nociva à vida eclesial que a adesão a outro credo religioso. Será falsa sensação de permanecer no rebanho de Cristo. No entanto, foi o Mestre que alertou: ''Nem todo aquele que me diz: Senhor, Senhor, entrará no Reino dos céus, mas sim aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus'' (Mt 7, 21).

A 6 de agosto de 1993, o Papa João Paulo II publicou a Encíclica Veritatis Splendor, ''O Esplendor da Verdade''. Nela trata de algumas questões fundamentais do ensino da Moral na Igreja. Na introdução, diz ele: ''A verdade ilumina a inteligência e molda a liberdade do homem, que, deste modo, é levado a conhecer e a amar o Senhor Deus''. Muito oportuna, em nossa época, a advertência de São Paulo aos Romanos: ''Não vos conformeis com a mentalidade deste mundo'' (Rm 12,2). O cristão vive em ambiente que se opõe às diretrizes do Senhor, por vezes assume posturas que entram em conflito com o ensinamento do Magistério. Isso ocorre com mais freqüência do que julgamos. Enumero, ao acaso, algumas dessas posições: o uso dos preservativos, a aceitação do aborto, o relacionamento sexual fora do matrimônio e assim por diante. Reconheço que o sacrifício daí decorrente para quem quer ser fiel, por vezes, atinge o heroísmo. Sem a graça de Deus a natureza humana não se manterá no caminho do Senhor. Entretanto, não nos esqueçamos de que jamais Ele nos faltará. A fortaleza de Deus transforma a criatura humana e é capaz de suscitar atos extremos. Diz o Papa João Paulo II: ''O martírio é um preclaro sinal de santidade da Igreja: a fidelidade à lei santa de Deus testemunhada com a morte ... a fim de que o esplendor da verdade moral não seja ofuscado nos costumes e na mentalidade das pessoas e da sociedade'' (Veritatis Splendor, nº 93).

Em um mundo profundamente distanciado de Cristo, a luta pela fidelidade ao Senhor possui a extraordinária força do exemplo concreto de que é possível viver as diretrizes da Igreja em meio à hostilidade ambiental.

A fidelidade até o derramamento do sangue e, mesmo que isto não ocorra, o caminhar pelos trilhos traçados pelo Magistério, proporciona grande conforto aos que lutam pela vitória de Cristo, em nossos dias. A encíclica Veritatis Splendor exorta a que ''não se caia na crise mais perigosa que pode afligir o homem: a confusão do bem e do mal, que torna impossível construir e conservar a ordem moral dos indivíduos e das comunidades. Os mártires, e, mais em geral, todos os santos da Igreja, através do exemplo eloqüente e fascinante de uma vida totalmente transfigurada pelo esplendor da verdade moral, iluminam cada época da história, despertando o seu sentido moral. Dando pleno testemunho do bem, eles são uma viva censura para os que transgridem a lei (cf. Sab 2, 12) e fazem ressoar, com permanente atualidade, as palavras do profeta: ''Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal, que têm as trevas por luz e a luz por trevas, que têm o amargo por doce e o doce por amargo (Is 5,20)'' (nº 93).

Em nossos dias, alguns santos, pelo exemplo de sua vida e eficácia de seus ensinamentos, contestam conceitos defendidos pela sociedade secularizada. Em conseqüência, tornam-se alvo de crítica que busca neutralizar o sucesso do trabalho de evangelização, que contraria falsos princípios, em voga no ambiente anticlerical. A fidelidade à diretriz da Igreja contradiz o que é ensinado na sociedade atual por vários grupos bem organizados, de maneira particular, nos meios de comunicação social. Cito, como exemplo, uma campanha contra São Josemaria Escrivá e a instituição Opus Dei, que tantos beneméritos serviços presta à Igreja do Senhor Jesus. Vivem até às últimas conseqüências a fidelidade ao magistério eclesiástico. E isto desagrada a certas correntes de pensamento, em voga.

O Fundador do Opus Dei, São Josemaria Escrivã, elevado à honra dos altares, sempre manifestou plena e integral adesão a todos os Papas com quem conviveu. Seguia o princípio: ''Onde está Pedro, aí está Cristo''. Defendeu com afinco a verdadeira liberdade de consciência. Em prol da família, costumava dizer que cada filho é sinal da confiança de Deus a seus pais. Sobre a dor que não pode ser evitada, costumava dizer o que contrasta brutalmente com a cultura hedonista vigente em nossos dias: ''Bendita seja a dor. Amada seja a dor. Santificada seja a dor. Glorificada seja a dor'' (Caminho, nº 208).

A santidade é fruto do ''esplendor da verdade'', como nos ensina o papa João Paulo II em sua Carta Encíclica. Os ataques à Igreja não devem intimidar os que são fiéis a seus ensinamentos. Passam os tempos e permanece o que foi proposto pelo Salvador através de sua Igreja. A humanidade foi remida pela cruz de Cristo.