Título: Presidente sem programa
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 20/12/2005, Internacional, p. A7

O futuro presidente da Bolívia, Evo Morales, deixou claro durante toda a campanha que a nacionalização do gás natural é um de seus principais objetivos. No entanto, o líder do Movimento ao Socialismo (MAS) ainda não tem um programa econômico de governo, delineando passo a passo como cumprir sua promessa eleitoral: substituir o neoliberalismo vigente no país desde 1985 por um modelo mais socialista.

- Nunca, em nenhum discurso, o MAS propôs um projeto de economia para a Bolívia. Isso fez com que especialistas questionassem se Evo está realmente preparado para assumir o poder - conta, ao JB, o analista político Roy Mucuerpe, do jornal El Mundo, de Santa Cruz.

Segundo Mucuerpe, agora que as parciais das eleições de domingo deram a vitória - com 51% de votos - ao MAS, o vice-presidente eleito, o sociólogo Alvaro Garcia Linera, vai percorrer os nove departamentos bolivianos para coletar dados e compor o programa econômico. Mas como a posse no Palacio Quemado é em 22 de janeiro, é improvável que dê tempo de o projeto ser apresentado ao público antes dessa data.

Até lá, os setores empresariais bolivianos estão em compasso de espera.

- Vamos ver quais serão os primeiros gestos de governo de Evo - disse, cauteloso, o dirigente empresarial Lorgio Balcázar, representante da elite de Santa Cruz, região motor do desenvolvimento econômico nacional.

Se de um lado há incerteza, do outro há festa. Os povos das regiões andinas da Bolívia, como La Paz e Cochabamba, passaram a madrugada festejando a eleição do líder cocaleiro. Sem, entretanto, esquecer que deram um prazo de 90 dias para que Morales satisfaça as demandas populares de nacionalização do gás e convocação da Assembléia Constituinte. Outro pedido é a extradição do ex-presidente Gonzalo Sanchéz de Lozada, atualmente nos Estados Unidos. É acusado de ter ordenado que policiais atirassem contra civis durante a convulsão social que culminou com sua queda, em outubro de 2003.

Mas também do desenvolvido Ocidente (a região de Santa Cruz) surgiu ontem mais um ultimato a Morales: não deve governar apenas em benefício dos indígenas.

- Ou governa para todos, e dentro da lei, ou verá manifestações públicas (como as que derrubaram dois presidentes nos últimos anos) surgirem também em Santa Cruz. Ouvi comentários como este - diz o analista político do El Mundo.

A governabilidade, aliás, é um tema delicado. Numa Bolívia já dividida entre o rico Ocidente e o empobrecido Oriente, o fato de o MAS só ter conseguido eleger um governador - Alberto Lins Aguilar, em Oruro - entre os nove departamentos preocupa. Será um desafio de La Paz convencer as províncias e adotar seu plano de governo, em um novo contexto nos quais os departamentos passam a ter controle sobre 70% do orçamento próprio. O poder central administra os 30% restantes.

- Em Santa Cruz, por exemplo, Morales vai padecer para tentar convencer os donos de terra a aceitar a reforma agrária - avalia Mucuerpe. - Evo quer desapropriar propriedades acima de 50 hectares para que camponeses que perderam suas terras ao vir trabalhar nas minas voltem a produzir. Mas, sem programa de governo, ainda não sabe como fazer isso.

Em discurso em Cochabamba, Morales tentou ontem acalmar os mais temerosos:

- O governo do MAS será para todos. O problema é como viver respeitando a diversidade, mas em unidade.

Também salientou que o projeto de nacionalizar os recursos naturais não significa que vá expropriar as concessões das refinarias estrangeiras, entre elas, a Petrobras.