Título: Novo ultimato
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 18/12/2005, Internacional, p. A7

Qualquer candidato que saia vitorioso das eleições presidenciais de hoje na Bolívia assumirá o poder com um prazo de 90 dias para cumprir as demandas populares de nacionalização do gás natural e convocação de uma Assembléia Constituinte. O ultimato, proferido por organizações sociais e sindicalistas, não livra sequer o líder cocaleiro Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), favorito no pleito frente ao direitista Jorge ¿Tuto¿ Quiroga, do Podemos. Para analistas políticos, é um exemplo de como o ¿feitiço vira contra o feiticeiro¿. No caso, Morales, um dos principais incitadores das convulsões sociais que culminaram com a queda de dois presidentes nos últimos anos, justamente porque não atenderam ao prazo estipulado pelo povo. ¿ Se eleito, Evo vai provar do próprio veneno ¿ provoca ao JB o cientista político Gustavo Pinto, da Universidade Católica de Cochabamba.

¿ A advertência não é só aos neoliberais, mas também ao nosso irmão Evo. Por isso, tem que estar pronto para atender ao povo ¿ advertiu o polêmico dirigente agrário Román Loayza, ele próprio um deputado do MAS.

Ao anunciar que os protestos sociais podem voltar em 90 dias, Jaime Solares, secretário da Central Operária Boliviana, acrescenta que o setor não está comprometido com nenhum candidato:

¿ Não queremos ser cúmplices da queda estrepitosa do novo governo se ele não defender os interesses nacionais.

No entanto, o analista político José Flavio Sombra Saraiva, da Universidade de Brasília, alerta que não importa o presidente: Quiroga, Morales, Samuel Doria-Medina (Unidade Nacional), Felipe Quispe (Movimento Indígena Pachacuti) ou Michiaki Nagatani (Movimento Nacionalista Revolucionário) ¿ nenhum deles terá tempo hábil em três meses para cumprir as demandas sociais.

¿ Nacionalizar as reservas de gás natural é um problema complexo, porque o setor é determinante no crescimento econômico da Bolívia. Apesar de toda a turbulência política, o Produto Interno Bruto (PIB) vem crescendo em média 4% ao ano por causa da exploração de gás e petróleo ¿ lembra.

Os bolivianos estão sentados sobre 108 bilhões de m³ de gás, cuja exploração é feita por empresas estrangeiras, como a brasileira Petrobras e as transnacionais Repsol, BG, BP, Total e Exxon Mobil. A recém-aprovada Lei de Hidrocarbonetos elevou de 10% para 32% os impostos às petroleiras e as obriga a modificar seus contratos com o Estado. O partido de Morales ainda quer que o tributo seja aumentado para 50%.

¿ Mas há interesses internacionais demais envolvidos na questão. O problema terá de ser resolvido com tempo, com a diplomacia econômica clássica, demonstrando que sem refinarias e investimentos estrangeiros a Bolívia não consegue manter seu PIB a curto e médio prazos ¿ sugere Sombra Saraiva. ¿ Se Morales não está pronto para a pressão popular, que se prepare. Agora ele é alvo.