Título: Abandono abre porta para terror
Autor: Clara Cavour
Fonte: Jornal do Brasil, 18/12/2005, Internacional, p. A14

Quando o mundo falhou ao ajudar o Paquistão, a tarefa coube aos terroristas. Essa é a conclusão de especialistas que acreditam que o combate ao terror passa pela assistência aos países pobres ou destruídos por tragédias. O terremoto na região da Caxemira, em outubro, tão devastador quanto o tsunami no Sudeste asiático, evidenciou a lacuna deixada pela comunidade internacional na ajuda humanitária de resgate e, ainda, o apoio a grupos islâmicos radicais.

Mais de 87 mil mortos e 3 milhões de desabrigados. Os números, apesar de impressionantes, parecem não ter mobilizado os doadores. Dos US$ 5,2 bilhões prometidos em ajuda humanitária, só US$ 17 milhões chegaram. Na assistência às vítimas do tsunami - que matou cerca de 220 mil pessoas e deixou 1 milhão sem abrigo -, foram doados 4 mil helicópteros; já no Paquistão, foram apenas 70, mesmo que o número de desabrigados tenha sido três vezes maior.

Para Kenneth Ballen, diretor da ONG Terror Free Tomorrow (Amanhã Livre do Terror), ''a assistência humanitária não só salva vidas, como ajuda a lutar contra o terrorismo'':

- O Paquistão é um país crítico na guerra ao terror. É a segunda maior população muçulmana do mundo e a única com arma nuclear. É a região onde acredita-se estar escondido Osama bin Laden - observou ao JB. - Nesse contexto, os grupos radicais foram os mais mobilizados no resgate das áreas devastadas.

Numa nação onde 65% da população apóia Bin Laden, segundo uma pesquisa divulgada pela ONG, o vazio deixado pela comunidade internacional foi preenchido por organizações como Jamaat-ud-Dawa e Al-Rasheed Trust, ambas ligadas à Al Qaeda, além do principal partido islâmico do país, o Jammat-i-Islami.

Até mesmo o ministro do Interior paquistanês, Aftab Khan Sherpao, teve de agradecer aos radicais, qualificados de ''salva-vidas''. Segundo Frederic Grare, pesquisador do Carnegie Endowment for International Peace, alguns grupos terroristas foram os primeiros a chegar nas áreas mais remotas:

- Apesar de também terem sido afetados, foram rápidos ao fornecer ajuda à população. O Exército paquistanês demorou a agir e deixou que os extremistas comandassem o trabalho em alguns lugares. Isso certamente reforçou a legitimidade desses grupos - disse, de Washington.

O jornalista muçulmano Ehsan Masood faz coro e reforça que as organizações internacionais precisaram da ajuda dos líderes radicais para chegar a determinadas áreas:

- A maioria da população da província da Fronteira Nordeste (região fortemente atingida pelos tremores) mora em comunidades isoladas nas montanhas. Por isso, as organizações internacionais tiveram de atuar em conjunto com os líderes religiosos conservadores, que acabaram ganhando apoio da população - afirmou, de Londres.

Para os analistas, os Estados Unidos - que tiveram o ex-presidente Bill Clinton como coordenador da assistência pós-tsunami - e a comunidade internacional em geral devem multiplicar a ajuda para evitar consequências catastróficas, como os atentados no sistema de transporte de Londres, em julho, realizado por paquistaneses.

- É preciso dar passos concretos para promover ajuda e, ao mesmo tempo, enfraquecer o apoio ao terror na própria ''casa'' dos extremistas - sugeriu Ballen. - As doações do setor privado para as vítimas do terremoto somam menos de 15% da dedicada à população atingida pelo tsunami, o que também é compreensível depois do Katrina e do Rita - concluiu.

Os resultados de uma pesquisa realizada pela Terror Free Tomorrow no começo do ano, na Indonésia, maior nação muçulmana, comprovam: o apoio a Bin Laden e ao terrorismo diminuiu depois da participação internacional na reconstrução pós-tsunami, assim como o antiamericanismo. Pela primeira vez desde o 11 de setembro de 2001, a aprovação do terrorista número 1 diminuiu de 58% para 23%. Além disso, a oposição à guerra ao terror propagada pelos EUA caiu pela metade, de 72% para 36%.